A obra de Stephen Dean se comunica com o público de forma singular, por meio de relações interpessoais e de contexto do lugar. Em Rehearsal with Props, em exposição na Casa Triângulo, o artista franco-americano trabalha com vidros dicroicos que têm a propriedade de exibir mais de uma cor em certas condições de iluminação. “A concepção desta mostra parte da conexão permanente da cor em meu trabalho, que é próximo à música”. A particularidade de seu trabalho se anuncia neste jogo de transparência, saturação e no deslocamento dos corpos. Não se trata de um olhar estático, há deslocamentos no espaço e no tempo.
A identificação imediata do visitante com a obra de Dean se dá com a escultura Ladder. É uma escada sem base fixa, com paineis de vidro dicroico, material ao mesmo tempo reflexivo e translúcido e um dos pontos chave do discurso dele. Ao realçar a interioridade do vidro, ele cria uma espécie de membrana transparente onde o mundo se projeta e se condensa em cores, como um divisor entre a superfície do vidro e a profundidade simulada do “espelho”. Na abertura da mostra, quase ninguém resistiu a fotografar-se diante dessa escultura enigmática que seduz o visitante ao refleti-lo, criando uma nova obra a cada clique, com reflexividade e cruzamentos de olhares. Vista de perto, pode-se ver a densidade e a saturação do material, a cor, a tentativa de recontextualizar formas comuns.
Dean é um artista multimídia que se expressa tanto em escultura como em instalações e obras sobre papel e vídeo, em que a cor entra no processo como um conector, agente para alterar as relações espaciais, formais. “Tento me manter no meio de um triângulo, em que um ângulo chega ao documentário e os outros à pintura e à vídeoarte”. Com esses elementos ele problematiza a “tela como suporte-transparência”.
Contrapondo-se a Ladder, a série Atlas, mais parece obra de gabinete, uma coleção de pequenas aquarelas, que ele chama de “esquetes de obras espontâneas” e que têm a capacidade de expandirem os limites da cor, mesclando pinturas sobre papel transparente de cigarro. “É um material bem resistente, que suporta a luz e é usado pela NASA”. Com esse tipo de papel pode-se enrolar um baseado e, com humor, Dean o chama de “maconha dicroica”. Os pequenos desenhos são como esboços preparatórios, muito espontâneos, quase como em gesto, motivados por paisagens, elementos abstratos, coisas simples que formam um caleidoscópio que não se esgota. A pintura com superfície saturada é povoada de imagens “aplainadas”, agrupadas em conjuntos de cinco peças dispostas sobre uma mesa vitrine. Esses pequenos retângulos podem ser articulados de várias formas, com diagramações diferentes e traduzem momentos únicos, etéreos.
Dean promove a reinvenção de formas ou eventos preexistentes em vários materiais, tendo o vidro como elemento pendular em seus discursos, desde o seu início na arte. Esse material flexível se molda a espaços superdimensionados, como fachadas, vitrines ou janelas, como fez agora em uma renomada loja em um shopping de São Paulo. Dean prioriza as qualidades intrínsecas do material e mudanças fluídas para chegar à transitoriedade temporal do mundo observado. A cor é o elemento mais importante em sua obra, mesmo antes da linguagem para compreender as ideias. Seu trabalho fala do rompimento do olhar unívoco e convoca outras retinas para traduzirem sistemas cotidianos e novas associações sensoriais. Estes compromissos com a cor e a percepção, a recontextualização de formas usuais, se convertem em uma maneira de encorajar novos e desafiadores modos de ver objetos abordando outros desafios.
O artista, de mãe francesa e pai americano, tem obras tanto em coleções de museus nos Estados Unidos como na França. Seus trabalhos podem ser encontrados nas coleções permanentes do Museu Solomon R. Guggenheim, NY; Museu de Arte de Whitney, N.Y; Galeria Nacional de Arte, Washington, DC; Galeria de Arte da Universidade de Yale, New Haven, CT; no Fonds National D’ Art Contemporain, Paris, França; na Fundación Jumex, México.
Essa é a terceira exposição de Dean no Brasil, onde deixa aberto um campo produtivo, com endereço para expor e seguidores constantes.
Stephen Dean: Rehearsal with props
Até 16 de março
Casa Triângulo:
R. Estados Unidos, 1324 – Jardins, São Paulo – SP