“Sempre me referi à minha linguagem como ‘meu alfabeto’”, afirma Anna Maria Maiolino aos 76 anos, durante conversa na Galeria Luisa Strina, onde teve exposição em cartaz até o dia 23 de março. A artista acaba de inaugurar também mostra no Padiglione d’Arte Contemporanea, em Milão. Em setembro, Anna terá uma grande exposição na galeria Whitechapell, em Londres, organizada em parceria com a instituição italiana. Recentemente, a artista esteve com uma mostra em cartaz no MOCA, o The Museum of Contemporary Art, de Los Angeles.
É um ano e tanto para a artista, que afirma estar se debruçando sobre o livro Meu Alfabeto, da filósofa búlgara Julia Kristeva. O livro havia sido indicado por uma amiga no final dos anos 90, mas só agora Anna tem conseguido desfrutar das páginas. “Eu gosto muito de ler filosofia, porque é uma forma de alimento para o imaginário. No caso, o meu imaginário”, Anna declara. Rodeada de linhas e bolinhas, signos marcantes em sua obra, ecoam uma passagem do livro, Kristeva: “Impresso em mim, o alfabeto triunfa; tudo ao meu redor é alfabeto”.
As linhas e bolinhas, sejam elas em nanquim, caneta ou cimento estrutural; os ovos da performance Entrevidas ou na faixa de pano que cobre o corpo em In ATTO, são elementos que para ela representam “o primeiro sopro da ideia que a conecta com o mundo”, especialmente quando em desenho, o que ela chama de “a primeira manifestação da Anna”. É um tipo de alfabeto que não necessita do código em palavra, é uma ante-palavra, algo que precede a palavra.
É sempre importante pontuar as questões migratórias na vida da artista e perceber o quanto os elementos de sua obra se fizeram importantes para sua comunicação para com o outro, tendo em vista que por algum tempo ela sentiu a necessidade de pertencer a um lugar, e a língua faz parte disso. Afinal, Anna saiu da Calábria para a Venezuela e depois para o Brasil, mas também residiu em outros lugares ao longo dos anos, como na Argentina e nos Estados Unidos. Apesar das diferenças nos idiomas, a sua linguagem na arte foi e é universal. Sendo assim, o seu alfabeto, é universal.
Em outro momento do livro de Kristeva, a autora reflete: “O alfabeto revivia em mim, para mim, que eu podia ser todas as letras”. Identificando sua linguagem como o seu alfabeto, é certo que as letras que compõem o abecedário de Maiolino hoje, são intrínsecas a ela, que nunca se preocupou em manter-se estática e não teve receio algum, por exemplo, de afastar-se da figuração nos anos 70. O processo da arte, para ela, sempre foi algo pra construir e também desconstruir, o que ela chama em entrevista para livro Anna Maria Maiolino (Cosac Naify, 2012) de “um estado ativo de meditação transformadora”.
É desta forma que o alfabeto de Maiolino se torna plural e infinito, na medida que ainda quer desenvolver e explorar caminhos. Para isso, pretende descansar um pouco e pensar em outras coisas: “Obviamente você não esquece na sua memória o que você fez anteriormente, porque está tudo dentro de você. O artista é um produto de várias estratificações de cultura. Então, você não escapa dessa sua memória espessa, dentro de ti e de tudo aquilo que já se fez”.
Para um breve afastamento que lhe permita novas óticas, a artista tem pensado em não realizar mais retrospectivas por ora. Além disso, ela pensa em manter um distanciamento regular entre as exposições individuais que fizer em galerias que a representam: “Eu quero me divertir experimentando. Vendo o que é essa nova Anna com 76 anos”.