Após Lorenzo Mammi deixar o cargo de diretor artístico do Instituto Moreira Salles para voltar às atividades acadêmicas na Universidade de São Paulo, a instituição anuncia para ocupar a função o curador português João Fernandes. Até então, Fernandes era vice-diretor do Museu Reina Sofía, de Madri. Ao lado do diretor do museu espanhol, Manuel Borja-Villel, foi eleito o 51º lugar de uma lista de 100 personalidades mais influentes da arte pela ArtReview no ano passado. Também em 2018, ele foi convidado para participar do V Seminário ARTE!Brasileiros, cujo tema foi a ‘ARTE além da ARTE’.
João começou sua fala apontando como a arte tem expressado, de muitas formas, “como o mundo não está bonito, como o mundo não é bonito e não foi bonito ao longo de sua História”. Ele ressaltou que muitas vezes os artistas de manifestaram por estiveram sensíveis à manifestações de sistemas de desigualdade, de opressão, da exploração humana, por exemplo.
Citando as intervenções dos artistas e os trabalhos de Mario Pfeifer (Alemanha) e Voluspa Jarpa (Chile), que também participaram do seminário, João refletiu: “Tantas obras nos trazem esse território amplo que é arte hoje oferece para as evidências e problemas do mundo, que existem, dos quais o mundo revela pouca consciência”. O curador acredita que a arte, é uma grande aliada para enfrentar o chamado “problema de Orwell”, trabalhado pelo linguista Noam Chomsky, que ele sintetiza na seguinte questão: “Como é que com uma evidência tão grande dos fatos que temos no mundo temos um conhecimento tão pequeno deles e reagimos tão pouco em relação a eles?”. O papel da arte nesse sentido seria ajudar a problematizar discursos dominantes que transformam histórias particulares em algo invisível.
Citando Helio Oiticica (“da diversidade vivemos”), João levantou apontou “globalização articula-se com algo que na Teoria da Informação sempre foi uma lei de entropia muito cruel: quanto mais informação, menos informação. Quanto mais informação, menos conhecimento”. E completou: “Hoje até a própria proliferação dos sistemas de informação, nos sistemas de comunicação artística, contribuem para anestesiar socialmente muitas das próprias situações que denunciam”.
Fernandes ainda comentou sobre modelos curatoriais no mundo e também sobre como conhecer a arte feita no Brasil e na América Latina em geral é importante para se descolonizar a História da Arte. Ele citou a Bienal de Veneza como um exemplo de exposição criada nos moldes de uma sociedade capitalista industrial: “Foi criada para um mundo estruturado de acordo com a lógica dominante no seu tempo”. Em seguida, aponta a Bienal de São Paulo como a antítese disso: “É criada neste Parque do Ibirapuera dentro de uma perspectiva em que o modernismo, de certo modo, construiu um espaço para a utopia e para uma revelação do novo nesse confronto que seria aquilo que trazia ao Brasil muito da arte que no Brasil não era conhecida e, ao mesmo tempo, revelava ao mundo muito da arte que se fazia aqui no Brasil”.
Para ele, nas últimas duas décadas, a expansão da arte produzida aqui e na América do Sul é importante porque mostra uma história “fundamental para se descolonizar criticamente realidades que ainda hoje sobrevivem em razão a todo esse passado colonial, eurocêntrico, falocêntrico, etc, que faz parte de um passado”. Em sua opinião “é aqui” que se começa uma quebra dos modelos dominantes da arte ocidental, “que começa uma consciência crítica de que esses modelos correspondiam a uma história colonial”.