Característica marcante da obra de David Magila, a simultaneidade parece ter efeito também sobre seu calendário. Com três exposições inaugurando uma após a outra no mês de maio de 2019, o artista faz uma entrada impactante na cena paulistana. São três espaços diferentes e com vocações distintas, nos quais expõe um leque amplo de trabalhos, quase todos inéditos, que conjuntamente compõem um panorama bastante abrangente das principais questões que o motivam.
“Foi fruto do acaso”, explica ele, enfatizando que cada um dessas mostras têm uma história própria, mas sem negar a existência de nexos importantes entre os diferentes núcleos expositivos. O primeiro desses projetos aconteceu no jardim do casarão ocupado pela Fundação Ema Klabin. Ele foi concebido no contexto do Festival Labas, iniciativa da comunidade lituana em São Paulo, e levou o artista a mergulhar na história de sua família, na memória afetiva e simbólica ligada à serralheria montada pelo avô, que refugiou-se no Brasil nos anos 1930, e onde ele aprendeu o ofício, soldando lixeiras.
A segunda mostra, inaugurada no Centro Cultural Britânico, teve como mote um diálogo com a obra do artista britânico Hurvin Anderson. Contempla, não apenas pinturas – linguagem que o artista vem explorando com mais afinco nos últimos tempos –, mas também esculturas, desenhos e vídeos. Trabalhos recentes de sua autoria também foram expostos em mostra individual na Galeria Janaina Torres. Esses dois últimos núcleos de obras revelam, por meio de um sutil porém intenso diálogo, o caráter ao mesmo tempo fluído e coerente de sua poética.
Nas obras de Magila parece sempre haver um ponto de partida mais longínquo, mais remoto, do que indicam as primeiras aparências. Sua pintura, apesar do caráter etéreo, não é uma construção inventada. Os objetos e cenas inanimadas que imantam essas construções derivam sempre de cenas da realidade, que o artista coleta como um explorador, normalmente em locais decadentes e abandonados, e registra por meio de fotografias ou desenhos de observação.
Esse registro atento das paisagens e dos detalhes faz parte de seu processo. Formado em artes pela Unesp no início dos anos 2000 e muitas vezes apontado como um dos destaques da jovem pintura brasileira, Magila tem uma trajetória bastante diversificada, marcada por momentos de dedicação exclusiva ao design gráfico e pela busca de uma associação entre diferentes formas de expressão artística.
Cadeiras vazias, escombros de bares, guarda-sóis não apenas povoam suas telas criando uma cena um tanto nostálgica, como servem de estrutura para toda a composição. “Não pinto o objeto, pinto em volta dele”, explica. A arquitetura vazia, os ambientes desertos são seu tema. Neles nunca se vêm vestígios humanos, mas sabemos que eles estiveram por lá. Magila confessa interesse por lugares que têm a marca de uma certa vivência, lugares que alimentam uma série de trabalhos. É o caso, por exemplo, de uma praia, em Iguape, que está sendo comida pelo mar e que é fonte de vários dos trabalhos mostrados no Centro Britânico. Em diversas visitas ao local ele coletou não apenas cenas, mas objetos tragados pelo mar (qualquer relação com um impulso de denúncia ecológica não seria mera coincidência), posteriormente transformando esses despojos numa grande instalação.
Apesar da potência cromática das telas, é sempre a partir do desenho que a imagem se estrutura, numa série de releituras até a forma final. A mescla de técnicas, a influência de suas formações em desenho técnico (pelo Liceu de Artes e Ofícios) e a experiência como artista gráfico – área em que trabalhou por longo tempo – deixam suas marcas na obra. E contribuem para criar essa sensação de uma composição que não busca necessariamente uma harmonia definitiva, mas sim promover a convivência, um tanto ambígua, de elementos apenas aparentemente díspares. Suas pinturas seduzem e desafiam os sentidos ao mesmo tempo.