Com trabalhos de 33 artistas de diferentes gerações, a mostra revela como a arte de gravar sobre madeira parte de uma tradição já consolidada para reinventar-se, ao dialogar com outras formas de expressão artística e propor um olhar bastante atento sobre a realidade e a produção artística contemporânea.
A escolha de Claudio Mubarac como curador dá ao conjunto uma densidade pouco comum em exposições coletivas, ainda mais quando marcadas por uma grande diversidade como esta. Artista e professor, ele acompanha de perto essa produção, funcionando como uma espécie de elo de ligação entre a geração que começou a implementar o ensino da xilogravura nas escolas de arte do país nos anos 1950/60 e os gravadores que, a partir dos anos 1990, deram continuidade a esse trabalho com forte caráter comunitário, criando ateliês coletivos e intercambiando dados técnicos, formais e conceituais sobre suas produções.
Artistas que conseguiram, por meio da troca e do diálogo, driblar as barreiras existentes no mercado nacional à arte sobre papel e, em particular, à xilogravura, técnica marcada por um forte viés popular.
A remissão à natureza e à figura humana – bastante presentes nos trabalhos –, mais do que uma referência aos gêneros acadêmicos dos retratos e paisagens, busca enfatizar a relação ativa e intensa, estabelecida por essas novas gerações com a cena contemporânea, definindo sua própria identidade por esse deambular urbano. “Esse pessoal cresceu num clima político muito diferente, se formou num ambiente democrático. Andar pela cidade é uma forma de dar corporeidade para eles próprios. Não separam mais urbano e rural, natureza e cultura”, sintetiza Mubarac.
É interessante notar como, a partir desse chão comum temporal, há um grande espraiamento de poéticas, formas diversas de explorar a relação com a madeira (muitas vezes lançando mão dos veios como elemento compositivo) e a criação de diálogos ricos com outras técnicas. A presença da cor é marcante, bem como o uso de grandes formatos. É o caso, por exemplo, da obra de Fabricio Lopez, o primeiro a idealizar essa exposição panorâmica e que convidou Mubarac a assumir a curadoria. Lopez exibe na mostra um amplo painel, uma paisagem que parece inventada, com referências marinhas e montanhosas, num jogo sedutor de cores e formas. A cor também é protagonista do lúdico mural A Banda Amarela chega à Etiópia Sagrada, de Eduardo Ver e pontua toda a exposição.
É Ana Calzavara quem parece aproximar de forma mais intensa a xilogravura da pintura, como se estivesse fundindo as duas linguagens, abolindo suas diferenças em uma série de paisagens amareladas que se sucedem e complementam como quadrinhos. Escultura e fotografia também fazem parte desse processo, com trabalhos densos como as sobreposições de cenas da cidade bruta, com seus prédios acinzentados e maciços, feitas por Fernando Vilela. Ou o exército criado por Luisa Almeida de mulheres combatentes, armadas, que se organizam na forma de totens, prontas para a luta. As referências imagéticas encontradas nos trabalhos são as mais variadas. Há um evidente diálogo com a tradição artística e as referências clássicas como o expressionismo. A opção por exibir os gravados sem moldura reforça esse caráter popular, marginal (no sentido de feito à margem), fluido e extremamente comunicativo da xilo. E remete a seu uso como arma revolucionária e de comunicação por meio dos lambe-lambes.
Virtuosísticas (como as gravuras de Francisco Maringelli e Ernesto Bonato), experimentais (Otavio Zani) ou coletivas (Xiloceasa), as dezenas de obras reunidas até setembro no Sesc Guarulhos atestam o vigor da produção contemporânea e as infinitas possibilidades da técnica simples, que como explica Mubarac, requer “apenas um pedaço de madeira e algo cortante”, mas que está em permanente reinvenção.