O título do nosso editorial vem emprestado do nome da obra de Jota Mombaça, cujos detalhes publicamos na capa desta edição. O trabalho foi realizado em colaboração com Musa Michelle Mattiuzzi, Cíntia Guedes, Ana Giza, Adrielle Rezende, Juão Nin e Paulet Lindacelva, e forma parte de uma sequência de performances na Casa do Povo em São Paulo, inspirada em conto homônimo de Conceição Evaristo. A ação consistiu dentre outras coisas em manufaturar facas com barbantes, galhos e vidros hoje expostos no SESC 24 de Maio na mostra À Nordeste, comentada nesta edição pela jornalista Jamyle Rkain e criticada pela historiadora e curadora Aracy Amaral.
É notória a presença ou a alusão à violência em várias das entrevistas ou exposições que acompanhamos nos últimos tempos. Nas obras é latente a iminência de perigo, a sensação de desamparo, a necessidade de encontrar respostas e resistir, encontrar formas de cura para o sujeito e o ambiente. Estamos perpassados por um momento de enorme violência. A violência de uma sociedade que agride o não igual; de cidadãos e políticos que defendem colocar armas a disposição de uma população cujas dificuldades e intolerância só aumentam. A violência de ter que mendigar educação, trabalho, saúde e assistir a cada vez maior precarização da qualidade de vida. A violência da pós-verdade e da pós-mentira.
A violência de não se fazer nada para impedir a violência. A artista paraense Berna Reale, no seu vídeo Americano, 2013 e a artista Cinthia Marcelle, no Chão de Caça, 2017 apresentaram no Pavilhão Brasileiro nas Bienais de Veneza de 2015 e 2017, respectivamente, obras de denúncia às condições de indigência e de superpopulação carcerária no país. Elas antecipavam, com suas imagens, diversas rebeliões e a carnificina que implodiu nestes dias nos cárceres de Manaus, deixando dezenas de mortos. Quase numa alegoria ao livro Crônica de uma morte anunciada do escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez.
A arte costuma cumprir seu papel, uma espécie de espelho e de alerta permanente sobre tudo que nos rodeia. Cildo Meireles, um dos maiores artistas contemporâneos brasileiros, já disse: “Não se faz um trabalho político em arte. Ele se torna político”.
Em contrapartida à institucionalização da barbárie, uma espécie de ode à morte que torna o dia obscuro, nós aderimos à vida e à arte, e a usamos como símbolo de potência e da força com que a pulsão de vida e de morte aparece nela… “Trata-se de uma morte-vida. Sempre que um artista proclama a morte da arte, novo salto é dado, e a arte acumula forças para uma nova etapa.” Dizia Frederico de Morais em Contra a arte afluente. O corpo é o motor da obra, 1970.
No mês de maio o Instituto Tomie Ohtake, por meio de seu núcleo de Cultura e Participação em parceria com o filósofo, ensaísta e tradutor Peter Pál Pelbart convidou um dos mais atuantes pensadores da atualidade, o filósofo francês e professor da Sorbonne (Paris I) David Lapoujade. Ao longo de quase duas horas ele discorreu sobre um texto intitulado “A Força da arte” apresentando ideias de Nietzsche e de Deleuze que refletem sobre o quanto a arte nos proporciona uma “promessa”, “uma crença neste mundo aqui”, não uma crença teológica, já que não deveríamos acreditar em nada quando estamos com a obra e, ao finalizar disse:
“Ou seja, a força da arte – quando ela a tem – é poder se auto justificar (e nos justificar) melhor que qualquer outra forma de realidade, poder adquirir, exclusivamente por sua força, uma razão de existir e de nos fazer existir. Se tivesse de resumir numa palavra (para concluir) em que consiste a força da arte, diria, portanto, que essa palavra é: justiça.”
Muito sensível e tocante .