Esta é a última edição do ano de 2019, um ano onde todas as áreas produtivas neste país tiveram que trabalhar além de suas forças, em um ambiente mesquinho. Foi um ano de dificuldade econômica para a maioria da população. Não fosse suficiente, estamos em meio a uma inacreditável demonstração de pobreza intelectual.
Dentro da pobreza de pensamento generalizada, o governo tomou a decisão de transformar a cultura num apêndice do Ministério do Turismo. Talvez tenham pensado: “Vejam, nos guias turísticos há indicações de cinemas, teatros e museus, vamos colocar tudo junto”. Seria cômico se não fosse trágico.
Não obstante, enquanto ouvíamos a burrice de inúmeras bravatas — algumas que nos fazem retroceder décadas na história de nossas vidas e do país —, o que nos salvou mais uma vez foi a arte, com sua força absolutamente inquebrantável. A possibilidade de ainda ter acesso à cultura permitiu que a população se voltasse em massa a exposições em museus e instituições culturais.
ARTE!Brasileiros, junto ao Itaú Cultural, conseguiu realizar um profundo debate sobre várias abordagens e alternativas possíveis para a sustentabilidade das instituições e a importância da gestão cultural, no seminário Gestão Cultural: desafios contemporâneos. A partir daí, decidimos dar início a uma série de entrevistas que nos permitam ouvir e acompanhar outras vozes de forma permanente. Cada vez mais se reforça a ideia de uma instituição cultural participativa, capaz de envolver a população em suas causas, e não apenas um espaço de contemplação.
Nessa função mesquinha, o Estado só aprofunda as cicatrizes de séculos de discriminação e violência e abre caminho para mais violência. Na arte a resposta é uma denúncia ativa. Os artistas buscam se expressar, definitivamente, estética e eticamente. Pesquisam arquivos, suportes e temáticas que os ajudem a falar. As lutas raciais, de gênero e contra a censura estiveram presentes, ao longo do ano, nas obras de bienais, como a do Sesc_Videobrasil, nos prêmios, tanto no Marcantonio Vilaça como no Pipa, e na maioria das exposições nacionais.
Mais de 100 artistas participam de uma exposição na Ocupação 9 de Julho em São Paulo, engajando-se no apoio à luta pela moradia. Aline Motta, uma das ganhadoras do Prêmio Marcantonio Vilaça, faz de sua obra uma procura permanente, nas suas raízes, da memória coletiva de milhares de famílias brasileiras construídas (ou destruídas) no violento processo de formação do país, baseado na escravidão e na estrutura patriarcal.
Guerreiro do Divino Amor, ganhador do Prêmio Pipa deste ano, numa linguagem completamente original e de experimentação, dá nome aos bois e denuncia as manobras de setores evangélicos fascistas, defensores de costumes já ultrapassados, e a responsabilidade que certos grupos midiáticos estão tendo nisso.
Nossa capa, obra do artista paulistano No Martins, que faz parte sem dúvida deste ethos, sintetiza de alguma maneira o nosso sentimento, expressado também no texto extraído do livro Crítica da Razão Negra, da n-1 edições, do camaronês Achille Mbembe: “Humilhado e profundamente desonrado, o negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa e o espírito em mercadoria a cripta viva do capital. Porém — e esta é sua patente dualidade —, numa reviravolta espetacular, tornou-se o símbolo de um desejo consciente de vida, força pujante, flutuante e plástica, plenamente engajada no ato de criação e até mesmo no ato de viver em vários tempos e várias histórias simultaneamente”.
Assim como No Martins, nós dizemos BASTA!!!