Sobre o Desenho no Brasil, livro organizado por Claudio Mubarac e recentemente publicado pela Editora da Escola da Cidade, vem suprir uma lacuna, trazendo a reflexão sobre o desenho — que costuma ser relegada a uma posição secundária no ensino das artes no Brasil — ao lugar de protagonista. Reunindo textos esparsos, representativos de diferentes momentos históricos e um conjunto potente de imagens, a obra traz uma seleção de sete estudos sobre o tema. Esse mergulho se enriquece muito pela opção de acompanhar cada um dos ensaios com trabalhos de artistas próximos, no tempo e no estilo, dos autores das análises escritas.
A opção por mesclar imagem e texto, nesta ordem, é uma espécie de posicionamento, uma maneira de colocar em pé de igualdade o discurso teórico e o trabalho artístico. Assim, estabelecem-se diálogos instigantes entre Joachim Lebreton e Jean-Baptiste Debret; Rui Barbosa e Henrique Bernardelli; Mario de Andrade e Lasar Segall. Nos casos de Lucio Costa, Vilanova Artigas e Flavio Motta, eles são autores tanto da reflexão escrita como dos desenhos que acompanham, aprofundando ainda mais a relação inteligente entre as duas formas de expressão proposta pela obra.
A reflexão de abertura, essencial para todos que estudam a história da arte no Brasil, é o projeto detalhado apresentado por Joaquim Lebreton, chefe da Missão Francesa, em 1816 e inédito até 1958. Endereçado ao Conde da Barca, o escrito apresenta uma proposta detalhada para a fundação de um sistema de ensino no País. Trata-se na verdade de um projeto com duas bases: defende a criação de uma Escola Imperial de Belas Artes e também de um Liceu das Artes — que só viria a existir décadas depois. Ele defende a necessidade de estimular, ao mesmo tempo, a ciência do desenho como base da arte e como técnica vital para a formação de uma mão de obra capacitada.
Questões semelhantes perpassam os textos subsequentes. Os escritos de Ruy Barbosa e Lucio Costa, relacionados com projetos de reforma educacional iniciados nos anos 1880 e 1930, respectivamente, também enfatizam a necessidade de incorporar a arte e a ferramenta da ilustração, do esboço, do projeto no ensino dos jovens, habilitando-os não apenas à técnica, mas a uma sensibilidade formal, desenvolvendo uma qualidade estética cuja germinação é necessária para o progresso não só econômico, mas também cultural do país, que ansiava por uma acelerada atualização e modernização nacional.Mario de Andrade, Vilanova Artigas e Flávio Motta, os autores dos ensaios subsequentes, adotam pontos de vista diferenciados e complementares. O que fascina Mubarac no ensaio de Andrade sobre Lasar Segall é seu tom poético, sua ousadia na tentativa de esmiuçar a relação entre obra visual e escritura. “Se para Lucio Costa, rabisco não é desenho, para Mario de Andrade é”, exemplifica o artista e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), que há muito tempo garimpa textos e reflexões sobre o tema. “Não sou um teórico, sou um desenhista que gosta de estudar”, brinca.
O apreço à diversidade, à importância de se considerar as diferentes formas de pensar/fazer/traçar imagens dá a tônica ao ensaio de conclusão, de sua autoria, que tem como ponto de partida o esforço de síntese para uma aula sobre o desenho, proferida em 2017 na Escola da Cidade. No caso deste texto de encerramento, a seleção de trabalhos gráficos com os quais se relaciona é ainda mais ampla. Contempla ensaios visuais de oito artistas contemporâneos, com os quais o artista e professor vem mantendo há décadas uma troca intensa sobre o fazer gráfico. São eles Alberto Martins, Elisa Bracher, Ester Grinspum, José Spaniol, Madalena Hashimoto, Marco Buti, Paulo Monteiro e Paulo Pasta. A diversidade e complementariedade entre eles só faz reforçar a ideia expressa pelo autor, relativa à complexidade, centralidade e diversidade do tema, que não pode nem deve ser reduzido a um único ponto de vista, nem tampouco considerada como algo em decadência, vítima inexorável das profundas transformações na nossa cultura visual.
Apesar de diagnosticar que na segunda metade do século 20 houve um descenso da produção teórica sobre o desenho (a tarefa de reunir reflexões sobre a questão não revelou-se fácil), o século 21 aparece, segundo ele, com uma visão renovada. “Quando olho para os cursos e discursos da arte, arquitetura e design, vejo que o desenho continua firme e forte, como práxis e como reflexão”, conclui.