Acima, Maurício Pietrocola, e Martin Grossmann; abaixo, Ana Magalhães e Marta Bogéa. Foto: Divulgação

A sede do MAC, no Ibirapuera. Foto: Divulgação

No próximo dia 9 de junho, a Universidade de São Paulo (USP) escolhe a nova direção do Museu de Arte Contemporânea, que irá substituir a atual gestão, composta por Carlos Roberto Ferreira Brandão e Ana Gonçalves Magalhães. O mandato se encerra no próximo semestre. Será uma nova chance de renovação em uma instituição que não consegue se destacar na cena de arte da cidade, enfrentando desde problemas de financiamento à falta de um projeto claro de museu e mesmo de ocupação do espaço, o imenso antigo Detran.

Duas chapas disputam a direção do museu: uma encabeçada por Magalhães (MAC), tendo a arquiteta Marta Vieira Bogéa (FAU) como vice, e outra liderada pelo professor Martin Grossmann (ECA), com Maurício Pietrocola Pinto de Oliveira (Faculdade de Educação).

A convite de arte!brasileiros, as duas chapas fizeram uma síntese de suas propostas – disponíveis na íntegra aqui.

Criado em 1963, a partir da doação das coleções do casal de mecenas Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, e pelas coleções de obras adquiridas ou recebidas em doação durante a vigência do MAM – o que gerou uma crise no museu -, e pelos prêmios das Bienais de São Paulo, até 1961, o MAC viveu um período especialmente efervescente durante a gestão de Walter Zanini, entre 1963 e 1978. Zanini (1925-2013) marcou o espaço como um lugar de experimentação para os artistas nos tempos difíceis da ditadura militar, e seu trabalho vem alcançando crescente reconhecimento, inclusive no âmbito internacional.

Desde então, o museu passou por altos e baixos. Há oito anos, em 2012, com a inauguração de sua nova sede, no Ibirapuera, em um edifício projetado por Oscar Niemeyer nos anos 1950, o MAC conseguiu uma área de 23 mil m2, rara entre as instituições de arte brasileiras. Lá está o acervo de 10 mil trabalhos, que inclui obras modernistas de artistas de renome como Picasso, Matisse, Max Bill ou Käthe Kollwitz, entre os estrangeiros, e Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Flávio de Carvalho, entre os brasileiros, até a produção recente, especialmente nacional, boa parte incorporada durante a gestão de Tadeu Chiarelli (2010-2014).

O colégio eleitoral que decide a direção é composto por um grupo seleto da própria USP: os membros do conselho deliberativo do museu e representantes de cinco unidades afins da universidade, como a Escola de Comunicações e Artes ou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Leia a seguir o que propõe cada chapa.

Da esquerda para a direita, Maurício Pietrocola e Martin Grossmann, de uma chapa, e Ana Magalhães e Marta Bogéa, de outra. Foto: Divulgação

MAC USP: UM MUSEU UNIVERSITÁRIO NO SÉCULO 21
(Ana Magalhães e Marta Bogéa)

Com quase seis décadas de existência, e instalado definitivamente em sua nova sede no Parque do Ibirapuera, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) é a mais importante instituição em seu gênero no país. Guardião de um acervo inestimável de arte moderna e contemporânea, ele não é só mais um museu de arte na cidade de São Paulo. Por ser um museu universitário, no qual as atividades de docência, pesquisa e curadoria estão intimamente interligadas, ao longo de sua história, ele se consolidou como um espaço de reflexão crítica e formação (especializada e de extensão). Isso se reflete no perfil de seu colecionismo. Desde sua implantação na Universidade e sob a direção de Walter Zanini (1925-2013), o museu buscou investigar as novas práticas artísticas e as novas mídias, transformando-se em uma instituição pioneira no país, fato reconhecido pela historiografia internacional recente.

O MAC USP deve ser entendido como um museu-laboratório, pois além de abrir-se para o fomento à produção artística deve continuar a estimular o envolvimento de estudantes, dentro e fora da USP, bem como as parcerias interdisciplinares entre pesquisadores e docentes. Isso não é propriamente uma novidade para o Museu: desde a instauração da carreira docente (2004), seus curadores-professores vêm trabalhando na pesquisa em colaboração com colegas de outras áreas de conhecimento, inclusive internacionalmente, ao mesmo tempo que cumprem um papel singular de prover a formação de jovens pesquisadores em um contexto transdisciplinar. Recentemente, iniciou a discussão de um programa de residências artísticas e, em 2019, implantou um edital de exposições para artistas emergentes. Esta é, de fato, outra singularidade do MAC USP: a atividade curatorial é pautada pela pesquisa acadêmica e se desdobra em disciplinas de graduação e pós-graduação, em exposições e no programa de extensão do Museu. São práticas existentes que reconhecemos e desejamos continuar e ampliar.

Partimos desses pressupostos para elaborar nosso Programa de Gestão. Neste sentido, o MAC USP é uma porta aberta da maior e mais relevante universidade brasileira para a sociedade. Pretendemos, portanto, nos manter em diálogo com agentes dentro e fora da USP para debater questões prementes da contemporaneidade e assegurar este como um espaço de reflexão crítica e autonomia de pensamento. Por esse mesmo motivo, o MAC USP não é só um conjunto de galerias de exposições: suas formas de extroversão devem envolver várias áreas de conhecimento e atividades amplas de extensão cultural. Para tanto, esperamos contar com parcerias de outras instituições, dentro e fora do País – algumas das quais já desenvolvem projetos conjuntos com o Museu –, para construir um programa que se desdobre no tempo, e promova a produção de conhecimento e a educação em vários níveis. É também imperativo que este programa espelhe a diversidade e a alteridade, não só no seu calendário de exposições, mas nas suas ações de formação e de pesquisa.

O MAC USP deve ainda enfrentar grandes desafios nos próximos dez anos, sendo o mais imediato o da sua autonomia financeira para dar continuidade à sua excelência em pesquisa e formação, e ter fôlego em seu programa de extroversão. Diante das vicissitudes que estamos vivendo em função da mais grave pandemia dos últimos 100 anos, esses desafios tornaram-se ainda maiores, pois isso demanda do Museu que investigue novas formas de relação com seu público. Neste sentido, as equipes do MAC USP já estão discutindo propostas para este novo modo de comunicação e extensão de suas atividades, através das mídias digitais e redes sociais. Essas propostas deverão, em nossa visão, também envolver projetos e parcerias com artistas e pesquisadores da área, de modo a pensarmos juntos a dimensão virtual do Museu. Vale aqui lembrar que foi através do Projeto Temático financiado pela Fapesp que a instituição construiu uma plataforma virtual de difusão de seu acervo – extraindo os dados de seu banco de catalogação – e montou um laboratório de preservação digital (ver matéria na Revista Pesquisa FAPESP, de 25 de maio de 2020). O fato de ser um museu universitário, que conta com quadros altamente capacitados em seus vários modos de ação, deu não só o respaldo a essas iniciativas, mas também viabilizou a infraestrutura necessária para tal empreendimento. Com apoio de repositórios digitais que Universidade criou nos últimos anos, o MAC USP teve as condições de iniciar o colecionismo de artemídia antes de qualquer outro museu no País.

O MAC USP cresceu em espaço (27.000 m2 de área expositiva, em 2012), em número de visitantes (396.000 visitantes em 2019), e em projeção na área de pesquisa e formação. Crescimento em números, resultante sobretudo da excelência acadêmica, da competência de seus quadros funcionais e técnicos, e da reflexão crítica que permitiu ao Museu se reinventar em sua nova sede. Nosso compromisso é o de dar as condições para que o Museu continue a realizar plenamente a sua missão: produzir e promover a arte como forma de conhecimento e experimentação.

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POR UM MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA CONTEMPORÂNEO
Na vanguarda do espaço-tempo: público, ubíquo, universal, planetário, experimental, transdisciplinar, formativo, colaborativo, dinâmico, aberto. Ancorado em referenciadas diretrizes museológicas e de gestão cultural.
(Martin Grossmann e Maurício Pietrocola)

A arte contemporânea se configura na segunda metade do século 20 principalmente por meio das ações de vanguardas artísticas críticas à institucionalidade da arte consolidada pelo museu de arte moderna. O pós-guerra, e em particular a inquietação dos anos 1960 e 70, colocam em xeque este paradigma de museu modernista. Surge um museu mais permeável e responsivo às intensas mutações do contemporâneo, que prioriza as relações entre arte e vida.

O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo é, portanto, um dos pioneiros no mundo nessa nova tipologia, ao inaugurar e liderar uma nova forma de ação museológica, laboratorial, ousada, crítica, contextual, performática.

O processo de criação do MAC é resultante de uma crise institucional do Museu de Arte Moderna de São Paulo, fundado em 1949. Em 1963,  sua coleção, bem como as de seus idealizadores e mecenas (Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado), são doados à USP.

Instalado em sede definitiva no Parque do Ibirapuera viabilizada pelo Governo do Estado em 2007, o MAC, no entanto, ainda não aterrissou na metrópole. Ele sofre de um complexo de orfandade, seja de sua mãe de sangue, a cidade, seja de sua madrasta, a universidade. Carece de uma identidade que corresponda a ubiquidade contemporânea: o de estar e existir concomitantemente em todos os lugares, incluindo assim a universidade, a cidade, o mundo e até a virtualidade.

Por que um “culturador”*, professor titular da Escola de Comunicações e Artes, com significativa experiência em gestão cultural e acadêmica se junta a um outro professor titular da Faculdade de Educação, com um sólida formação científica (Física), especializado em Epistemologia e História da Ciência, bem como no desenvolvimento de estratégias inovadoras no ensino de Ciência, com o intuito de assumirem a gestão do MAC nos próximos quatro anos? 

Entendemos que o museu precisa tornar-se uma interface, um atrator, alimentado pelos conhecimentos e práticas que só uma universidade como a USP é capaz de fornecer. O MAC precisa não só criar sentido para as suas áreas específicas e correlatas como para outras áreas de conhecimento da universidade e principalmente para o público. Precisa deixar-se contaminar pelas diferentes formas de saberes e experiências que convivem e tensionam a universidade e o planeta, sendo um espaço aberto à criação no sentido amplo do termo.

O nosso projeto de gestão se alicerça em uma proposta audaciosa de “culturadoria” inter e multidisciplinar, tendo como espinha dorsal a fantástica coleção do museu e um programa educativo e cultural colaborativo, em um movimento pela formação educacional para/pela arte, envolvendo assim, necessariamente, toda a equipe do museu, bem como vários e diversos agentes externos e diferentes públicos.

Como se trata de tarefa complexa, propomos que este projeto seja planejado e desenvolvido pelo museu em parceria com um coletivo de pesquisadores, artistas e profissionais, provenientes de diferentes áreas do conhecimento e de atuação e em sua grande maioria da USP, que queiram atuar na triangulação entre arte, ciência e cultura, visando o desenvolvimento de um dispositivo de investigação, expositivo, comunicativo e participativo transdisciplinar baseado, indiscutivelmente, na vocação, genealogia e trajetória deste museu.

Propomos um projeto coletivo, colaborativo, que considere de fato o MAC como museu de arte contemporânea da USP, ou seja, que represente a potência da interdisciplinaridade de uma universidade plural que reúne praticamente todos os campos de conhecimento. Sua centralidade será uma exposição temática de grande porte que terá a coleção do museu como referência central ampliada por meio da tecnologia digital e analógica embasada por um programa de ação educativa, científica e cultural. Uma experiência única de conhecimento e fruição, uma combinatória de narrativas interdisciplinares e multimídia —arte, cultura e ciência— que buscarão estimular experiências transdisciplinares.

Inspirados por seu primeiro diretor, Walter Zanini, a proposta aqui delineada para a gestão do MAC (2020-2024) pretende “remodelar o modelo”*. O museu precisa resgatar a sua matriz original, laboratorial, que com sua inventividade e ousadia, colocou o MAC em pari passu com outros museus de arte contemporânea no mundo, ao propor uma ação museológica distinta da maioria dos museus de arte moderna existentes em diferentes partes do globo, inclusive no Brasil.

Neste sentido, acreditamos que este seja o momento de metamorfose, do necessário salto para que o MAC —potência que é— retome o seu papel protagonista na cidade e no sistema da cultura e do conhecimento. Vivemos tempos de pandemia/pandemônio que nos inquieta, angustia, preocupa, desconcerta. Como o mundo e o Brasil sairão desta crise? Ainda não sabemos e os nossos espíritos entristecidos pelas mortes, como também pela evidente estupidez humana, tendem a uma postura mais cética, diante de tamanha barbárie e complexidade. Neste contexto distópico no qual todos nós estamos inseridos, um museu de arte contemporânea como o MAC precisa manter o seu espírito prospectivo e utópico, iluminar o que está por vir.

Um Museu de Arte Contemporânea contemporâneo que abre o terceiro milênio 27 deve apontar para o que ainda não existe, para o mundo em metamorfose. Mais do que nunca precisamos exercitar a imaginação na perspectiva de antever o novo, buscar e desenvolver novas formas de atuação, novas narrativas, novas museografias, novas metodologias a serem desenvolvidas conjunta e coletivamente seja com seu corpo técnico, seja com outras instâncias da universidade e fora dela, mas acima de tudo com o público.

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*1 – Existe o culturólogo, termo que vem da Rússia onde há uma vertente importante da “ciência da cultura”: a culturologia.  Já no Ocidente, os estudos culturais são a vertente mais consolidada de investigações relacionadas à cultura. No entanto, o neologismo “culturador” é lançado aqui uma vez que existem particularidades importantes na atuação e nas  investigações até agora realizadas, que aproximam a cultura, as artes e a ciência, demandando assim uma nova área de atuação interdisciplinar, a culturadoria (culturing), uma investigação curatorial científico-poética da cultura. Ou seja, o culturador (culturator) é um especialista de estudos e da poética da cultura.
*2 – Baldini, Isis, Grossmann, Martin, Prado, Pamela, & Spricigo, Vinicius. (2018). Walter Zanini e a formação de um sistema de arte contemporânea no Brasil. Estudos Avançados, 32(93), 307-329. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180047

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