Por: Simonetta Persichetti
No ano do seu centenário, o Prêmio Pulitzer tem, entre seus vencedores, o fotógrafo brasileiro Mauricio Lima, free-lancer para o The New York Times, pela cobertura da crise de refugiados na Europa. Esta é a primeira vez na história do prêmio que um brasileiro recebe a distinção. Mauricio Lima foi o vencedor na categoria Fotografia Breaking News, com o russo Sergey Ponomarev, o americano Tyler Hicks e o alemão Daniel Etter, pela série Exodus. Os quatro receberam também, pela mesma série, o The John Faber Award do Overseas Press Club of America.
O Pulitzer foi criado por obra e desejo do jornalista americano Joseph Pulitzer, que acreditava no jornalismo. No bom jornalismo. Antes de sua morte, em 1911, ele fez uma doação em dinheiro para a Universidade de Columbia, em Nova York, que foi usada para abrir o curso de Jornalismo, inaugurado no ano seguinte, e para o prêmio – o primeiro em 1917. A partir daí, a cada ano jornalistas e escritores são reconhecidos por seus trabalhos.
O lema do Pulitzer era: “Iluminar os lugares escuros e, com um profundo senso de responsabilidade, interpretar esses tempos difíceis”. É com esse espírito que anualmente a imprensa norte-americana premia trabalhos de excelência que fazem diferença no mundo.
Aos 40 anos, Mauricio Lima é um profissional humanista e independente. Formado em Comunicação Social pela PUC de São Paulo, começou fotografando esportes em 1999. Depois foi convidado para integrar a agência France Press, onde permaneceu até 2011, partindo, então, para a carreira solo, como free-lancer.
Nestes 17 anos, Lima foi construindo um trabalho sério, consistente e, acima de tudo, impregnado de ética e responsabilidade, respeitando o que vê e o que fotografa. Não é à toa que, neste ano, seu trabalho tenha obtido tanto reconhecimento: coube a ele também o prêmio do World Press Photo, na categoria General News, pela reportagem publicada, em agosto de 2015, no mesmo The New York Times, sobre um jovem combatente do Estado Islâmico de 16 anos.
O brasileiro está presente em lugares onde existem histórias para serem contadas. Ele narra biografias de vítimas da incompreensão, do ódio e das guerras. Imagens profundas, de um olhar crítico que quer compreender. Um legado imagético que procura ser poético dentro do caos. O que seus olhos viram as palavras não exprimem. Silencioso, ele não gosta de holofotes nem de protagonismos.
Mesmo assim, de Nova York, concedeu esta entrevista exclusiva para a Brasileiros. Desta vez, a voz não é a dos seus retratados, mas a dele. Mauricio Lima, que no Brasil é representado pela DOC Galeria, de São Paulo, nos convence de que um jornalismo feito com seriedade e profundidade ainda é possível e tem espaço para ser visto.
Brasileiros – O jornalista Andrei Netto, do jornal O Estado de S.Paulo, fez um perfil seu, em que o chama de “lobo solitário”. Eu também escrevi sobre seu trabalho, quando pontuei a eloquência do seu silêncio. Você já disse que espera ser invisível nas reportagens que faz. Quem é realmente Mauricio Lima? O que move você para o fotojornalismo?
Mauricio Lima –Sou movido incessantemente pela curiosidade do comportamento humano, suas nuances, ambiguidades, pelo poder de conscientização que a fotografia pode atingir e pelo desejo de contribuir para a transformação de uma realidade por meio de uma narrativa visual.
Como foi a transição de um jovem que começou fotografando esportes e, de repente, estava na guerra do Iraque e depois no Afeganistão?
Foi uma transição necessária, uma fase importante de amadurecimento como ser humano, de percepção de valores essenciais que devaneiam da racionalidade entre o pós-adolescência e o momento em que você adquire um diploma universitário. Um momento decisivo na vida. E, ao imergir em outra cultura, talvez suprimisse minha incapacidade de expressar sentimentos por meio da fotografia.
Uma das suas primeiras reportagens, creio eu, como fotógrafo de conflitos foi sobre o menino que teve o rosto machucado por estilhaços de bomba. Ele ficou cego. Essa apuração comoveu parte do mundo. Qual é o impacto dessa experiência em você como vetor de informação e de estar onde muitos não podem estar para narrar essas histórias?
Extremamente gratificante. Meu objetivo era claro quando o vi com seu pai em frente à Zona Verde de Bagdá com uma receita médica na mão para o tratamento de córnea: ajudar Ayad Karim. Diante das mentiras e do interesse geopolítico que motivaram a invasão do Iraque, era o mínimo que poderia realizar para minimizar aquela tragédia consumada.
Já vi você entrar e sair de lugares sem ser notado. Essa “invisibilidade” faz parte do seu dia a dia?
Sim. É algo que quero preservar. Quero ser tratado como uma pessoa comum, sem rótulos nem privilégios.
Você é um fotógrafo que assume posições políticas e usa as redes sociais para isso. Por quê? O quanto isso o expõe e o quanto é necessário?
Porque é preciso resgatar a ideologia, crer e lutar por algo. E, inegavelmente, pelo fato de ser uma nova forma de comunicação. Essas plataformas são potentes, não podemos nos cegar a isso quando nos preocupamos com a realidade. Atingem as pessoas de forma imediata e, por isso, podem levar a uma reflexão. A liberdade de expressão deve ser uma conquista inviolável para nossa maturidade civil como sociedade.
Acredita que o trabalho do fotojornalista é dar voz aos que não podem falar?
Também. É um canal recíproco de comunicação, seja da voz do fotografado, seja do sentimento do fotógrafo, de como e o porquê aquilo foi fotografado e deva ser visto.
Neste ano, seu trabalho ganhou vários prêmios. Você é o primeiro brasileiro a ganhar o Pulitzer no 100º ano do prêmio. Essas premiações ajudam os “invisíveis” a se tornarem “visíveis”?
É impossível prever ou controlar a reação, o sentimento do outro, mas, se a fotografia causar um questionamento, ela já cumpriu um papel importante.
Ao contrário de muitos, neste momento, você nunca se colocou como protagonista. Prefere se apresentar como “mensageiro” de notícias.
Sou fascinado por contar histórias. Além disso, me tocou bastante um pedido que ouvi de Gabriel García Márquez quando tive a oportunidade de jantar ao lado dele: “No te olvide de iluminar a las personas ignoradas por la sociedad jamás”.
Por que devemos continuar acreditando no fotojornalismo?
Porque devemos acreditar em nós mesmos, em um mundo melhor. Ser fotógrafo é estar insatisfeito com o presente e preocupado com o futuro. Não levamos esse modo de vida em busca de acumular riqueza, a não ser a da experiência e do que não deveríamos repetir com nosso semelhante. Quando nos deparamos com uma fotografia, esse momento deve ser de reflexão, causar questionamentos, talvez de possíveis conclusões, não de afirmações.
E agora? O que vem por aí?
A vida segue da mesma forma, sob os mesmos princípios. Não podemos perder a generosidade nem a simplicidade jamais, mesmo diante de um cruel mundo movido sistematicamente por consumo e de forma assustadora por individualismo.