Transitando entre arte e design, o SP-Arte Viewing Room reúne 136 expositores entre os dias 24 e 30 de agosto. Essa é a primeira versão virtual de uma das mais conhecidas feiras de arte da América Latina e, pela primeira vez, ela recebe projetos artísticos independentes. Em meio às galerias nacionais e internacionais, Levante Nacional Trovoa e 01.01 Art Platform compõem a mostra com um outro olhar sobre a arte.
“Desde 2019, vínhamos conversando com a SP-Arte sobre a falta de representatividade e a carência de diversidade racial no nível institucional do mercado das artes no Brasil”, explica Ana Beatriz Almeida, integrante da 01.01 Art Platform. É nesse sentido, trazendo produções artísticas e visões de mundo não brancas a partir de estéticas e éticas próprias, que os projetos colaboram com a feira dirigida por Fernanda Feitosa (leia nossa entrevista com a idealizadora da SP-Arte).
Descentralizando o discurso artístico
Com curadoria africana e brasileira, e apoio de instituições do Reino Unido, Portugal e Ghana, a 01.01 foca na produção artística afro e afro-diaspórica. A plataforma busca ressignificar as antigas rotas comerciais da escravidão, transformando-as em um circuito de intercâmbio cultural que promove maneiras justas de coletar e consumir arte. “Pretendemos instruir o público em termos éticos e estéticos para produções não ocidentais”, explica Ana Beatriz Almeida.
Já o Levante Nacional Trovoa é um coletivo de interação em rede formado por mulheres e pessoas não binárias negras, asiáticas e indígenas. O projeto reivindica a urgência da discussão sobre o sistema de arte no Brasil, com especial atenção à visibilidade de artistas racializadas. “Já que o circuito hegemônico de arte não comporta nossos corpos e produções, a criação de uma rede torna-se importante, pois nos possibilita contar nossas narrativas em vários lugares, gerando visibilidade”, afirmam as artistas – que optaram por responder coletivamente à nossa entrevista.
Com mais de 180 artistas pelo Brasil, o coletivo conta com quarenta articuladoras espalhadas pelas cinco regiões do país. “Assim, atuamos com intuito de diminuir as fronteiras regionais, revelando discursos presentes nas bordas e estimulando a descentralização da programação artístico-cultural, que está concentrada majoritariamente no eixo sul-sudeste do país”, explicam.
Entre o físico e o virtual
A 01.01 já participaria da feira em sua versão física, mas não vê o formato online como um empecilho: “O digital nos dá chance de pular uma etapa e aproximar o público de nosso acervo conceitual, uma vez que nossa cultura é em grande parte imaterial”, conta Ana Beatriz Almeida.
Para o Nacional Trovoa, o virtual foi um facilitador: “Certamente, se a feira fosse no formato físico, teríamos que buscar incentivo financeiro para realizar o transporte das obras, uma vez que a Trovoa não é uma galeria. Neste molde atual, cada artista será responsável por enviar seu próprio trabalho caso a venda se concretize”. Além disso, o coletivo acredita que o Viewing Room amplia as possibilidades de participação de artistas de outras cidades e atinge um público maior, que não poderia visitar a feira presencial.
A SP-Arte é um evento internacional, que atrai colecionadores de diversos países e conta com a participação de inúmeros curadores, galeristas e diretores de instituições. As expectativas para esta edição não são diferentes e, como explica o Levante Nacional Trovoa, “a visibilidade para esses públicos é extremamente importante para as artistas do coletivo, que em sua maioria ainda estão fora do circuito de arte”.
A 01.01 Art Platform acredita que o contato com os projetos também seja importante para o próprio público, que pode se integrar com outras visões de mundo, que extrapolam a noção de que a arte se resume ao objeto artístico, entendendo-a como um universo mais amplo de práticas e experiências.
Por outros olhos
É através da criação desses diálogos que ambos os coletivos pretendem levar representatividade e visões de mundo não brancas ao evento, como parte de uma “negociação constante com o circuito hegemônico de arte”, como explica o Nacional Trovoa.
Ao que Ana Beatriz Almeida, da 01.01, completa: “Compreendemos que a arte é o primeiro território do pensamento atingido pelos movimentos revolucionários. Estamos num momento de mudança profunda no mundo, e nossa função numa feira de arte é propor novas perspectivas da realidade através de uma abordagem ética e estética desconhecida no Ocidente. O desconhecimento destas outras camadas de sentido é fruto direto do racismo, e a nossa proposta é desconstruir esta estrutura a partir do colecionismo enquanto uma prática ativa de construção de realidades”.