Desde março de 2020, ao mesmo tempo que nos isolávamos como forma de segurança perante uma epidemia sem precedentes na nossa geração, acompanhávamos o fechamento dos nossos espaços cotidianos de encontro: padarias, bares, restaurantes, cinemas, teatros, museus, galerias, livrarias, cabeleireiros. Assim, cada um de nós organizava seu fazer buscando soluções para uma realidade completamente inesperada.
Ao mesmo tempo, no mundo e no Brasil especificamente, acirravam-se crimes de omissão e ataques à vida: dos rios, dos manguezais, das florestas, dos animais, das mulheres, dos negros, dos imigrantes, das instituições culturais, enfim, de tudo aquilo que não representasse uma imediata retribuição socioeconômica ou que gerasse algum tipo de lucro imediato. Soluções para a saúde e a ciência começaram a ser questionadas em detrimento de supostos ganhos fiscais e financeiros.
Tivemos a sensação de que abriram-se as comportas de uma represa recheada de atraso e ódio e, quase como num filme de ficção, saíram em debandada monstros de todas as espécies capazes de atualizar as atrocidades que já formaram parte da nossa história colonial.
A capa desta edição, um detalhe da obra Trópicos malditos, gozosos e devotos 7, 2020, da artista Rivane Neuenschwander, é quase que uma síntese do que o inconsciente e a arte podem vir a expressar, contra o medo e a violência.
Quando iniciamos as discussões sobre a realização do nosso VI Seminário Internacional em maio deste ano, junto aos diretores do Goethe-Institut, nossos parceiros no projeto, a urgência da defesa da natureza e do homem ficaram prementes. Sentimos a necessidade da arte fazer parte da reflexão sobre a noção do mundo que queremos habitar.
Nesse sentido conseguimos viabilizar um encontro virtual, onde o elenco de convidados – artistas, filósofos, cientistas, líderes ambientais e curadores -, que vêm trabalhando neste cenário complexo já há muito tempo, tivesse a oportunidade de falar de suas atividades em seus diferentes países e lugares de atuação.
“Quando rompemos os fluxos da Terra, a gente a prejudica, porque ela é um todo, tem uma consciência própria e não podemos recortá-la como um mosaico, como estamos fazendo. Há centenas de anos nossos pajés alertam para cuidar da natureza, nós somos a natureza”, disse com sabedoria a jovem ativista e artista indígena Naiara Tukano.
Assim, fizemos do encontro um lugar desde onde conseguimos nos sentir menos sós, como um método de defesa. A palavra e a arte tem sido armas fundamentais para reflexão, conforto e ataque.
Andrea Giunta, pesquisadora e curadora da Bienal do Mercosul 12, que precisou mergulhar na adaptação do evento junto aos curadores do projeto, disse no Seminário: “A arte tem a capacidade de ser um arquivo, um arquivo de experiências que foram criadas em diferentes momentos. E com este arquivo podemos fazer as perguntas do presente.”
Esta edição está povoada de matérias que mostram ideias e produções de artistas e curadores que trabalham em diálogo com seu entorno; obras que refletem uma atitude de imersão em seu tempo; obras que expressam a necessidade de abandonar o sujeito autocentrado, de pensar a importância de aprender com o outro, de apreender do outro.
PS: Ficamos muito felizes em saber, no encerramento desta edição que arte!brasileiros tinha sido reconhecida pela ABCA, com o Prêmio Antônio Bento 2019, como melhor veículo de difusão na mídia de arte e cultura. Seguiremos empenhados na qualidade e coerência do nosso trabalho.