Autora de projetos célebres como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), o Sesc Pompeia, o Teatro Oficina (ao lado de Edson Elito) e a Casa de Vidro em São Paulo, a reforma do Solar do Unhão (atual MAM-BA), a Casa do Benin e o restaurante do Coaty em Salvador, Lina Bo Bardi (1914-1992) acaba de ser anunciada a grande vencedora do Leão de Ouro da 17a Bienal de Arquitetura de Veneza. O prêmio vem coroar o crescente reconhecimento da obra de Lina, que se deu de modo mais intenso após a sua morte do que em seus anos de atuação.
Lina foi também designer (criou peças clássicas como a Bardi’s Bowl, a cadeira tripé e a cadeira Girafinha), curadora de mostras, ótima desenhista e criadora de projetos expográficos inovadores (são seus os cavaletes de vidro do MASP). Mais do que isso, foi uma pensadora original e radical, que fundou revistas e escreveu textos ao longo de toda a vida. O prêmio em Veneza foi recomendado pelo curador Hashim Sarkis e posteriormente aprovado pelo Conselho de Administração.
Em texto divulgado pela Bienal, Sarkis afirma: “Se há uma arquiteta que incorpora da forma mais adequada o tema da Biennale Architettura 2021, esta arquiteta é Lina Bo Bardi. Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista nos lembra o papel do arquiteto como organizador e, mais importante, como construtor de visões coletivas. Lina Bo Bardi também exemplifica a perseverança da arquiteta em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou migração, e sua capacidade de permanecer criativa, generosa e otimista durante todo o processo. […] Acima de tudo, são seus pujantes edifícios que se destacam em termos de projeto e na forma como unem arquitetura, natureza, vida e comunidade. Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social que convoca as pessoas”.
Apesar de ter nascido em Roma (Itália) e desembarcado no Brasil apenas em 1946, a arquiteta escolheu o país sul-americano como sua pátria. Como ela mesma escreveu: “Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e da fronteira”. Apesar desta paixão e entrega, não deixou de viver uma série de adversidades e derrotas em sua trajetória brasileira, ao contrário do que se imagina hoje, em tempos de glorificação de seu trabalho e figura.
Em matéria publicada na página Outras Palavras por este repórter que aqui escreve, em 2014 (centenário de Lina), alguns dos motivos desses embates foram levantados: “E, se é difícil explicar com precisão os motivos de tantas adversidades – que passam pelos fatos mais óbvios de ser mulher em uma sociedade machista, ser “estrangeira” em tempos de nacionalismo ou, ainda, ser casada com um sujeito polêmico, como Pietro Maria Bardi –, há algo notável sobre a arquiteta que se relaciona à maioria de seus fracassos e sucessos: Lina não seguiu padrões, modelos prontos e modismos, nunca escolheu os caminhos fáceis e não hesitou em experimentar, subverter e ir contra os discursos hegemônicos na política ou na cultura. Sem se enquadrar – mesmo dentro do modernismo ou da esquerda –, ela fez da arquitetura sua arma para a transformação do mundo em um lugar mais igualitário e ‘humano’. Incomodou e por isso pagou preços, mas deixou, ao fim, um valioso legado para a arquitetura e para o país”.
Lina construía sem regras formais pré-definidas, e por isso nunca se encaixou em alguma escola arquitetônica como a paulista ou a carioca. Isso não era algo gratuito, mas parte de uma concepção de que o arquiteto deve entender os contextos sociais e humanos de cada local para poder projetar. Para Lina, cada caso era um caso, e a arquitetura deveria ter como protagonista o ser humano, não o espaço, como ela mesma disse certa vez.
Outros dois trechos da matéria do Outras Palavras ajudam a exemplificar seu pensamento. Nas palavras do arquiteto André Vainer, seu colaborador por muitos anos, “Lina representa um tipo de arquitetura que tem um respaldo com a realidade muito grande, o que é raro hoje em dia. Ela sempre trabalhava a partir de ideias que não eram de arquitetura, mas de relacionamento humano, de sociedade, de justiça entre os homens e de comportamento”. Para Zeuler Lima, professor da Washington University em Saint Louis (EUA) e autor de livro sobre a arquiteta: “Lina tinha um grande idealismo. E isso é diferente de utopia, pois era um idealismo de pensar não o impossível, mas o possível. Pensar um futuro melhor não abstratamente, mas no que existe, no aqui e no agora. Ela era uma pessoa extremamente generosa com a arquitetura, com a ideia de que a arquitetura tem um propósito e que ele tem que ser social, humano”, conclui.