O 11 de setembro, data que ficou conhecida e reconhecida como o dia do atentado terrorista aos Estados Unidos, é imortalizado na imagem do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York.
Na efeméride dos 20 anos do atentado, as mesmas imagens aparecem e, repetidas, nos lembram o horror do que assistimos ao vivo, não pelas redes sociais – que ainda não existiam – mas pela repetição dos aviões que atingiam as Torres Gêmeas. Incrédulos precisávamos de texto que desse sentido ao que estávamos assistindo. Nas últimas semanas, as redes sociais nos bombardearam (desculpem o trocadilho) perguntando:
“Onde nós estávamos no dia 11 de setembro?”. Eu sei onde estava. Mas por que é tão necessário recordar este momento? Pela força de uma imagem, que nem é a melhor ou mais significativa, mas que foi escolhida para relembrar o espanto do inesperado. O que importa é que ela ficou como a marca da transformação social, a mudança do contexto histórico. Uma mudança que teve consequências que pagamos até hoje (Guerra do Iraque, Afeganistão etc.).
Muitos pensadores da contemporaneidade, Jean Baudrillard (1929-2007), por exemplo, decretaram o 11 de setembro de 2001 como a entrada no século 21 e, pela dramaticidade das imagens, uma nova era de representação imagética. As imagens não seriam mais as mesmas. Não seguiriam mais o impacto da realidade tão caro ao século passado, mas se voltariam para a sugestão da encenação que aos poucos se inseriu no século 21. Entramos, talvez, na era das imagens. Um ataque midiático montado como um verdadeiro espetáculo. A notícia não era procurada, chegava até nós. Assistimos ao vivo (quem tinha idade em 2001) o que a filósofa francesa, Marie-José Mondzain, escreveu em seu livro A imagem pode matar?: “O inimigo tinha organizado um espetáculo aterrador. Num certo sentido, ao massacrar tantos homens, ao abater as torres, [nos apresentava] o primeiro espetáculo histórico da morte da imagem na imagem da morte”. Mas será que a imagem tem este poder? Afinal, a imagem, a fotografia é uma representação, cheia de símbolos e códigos a serem desvendados, é verdade, mas sua recepção é muito mais decisiva. “As fotografias continuam sendo interpretadas muito depois de realizadas”, lembra Boris Kossoy. A cada nova visualidade ela se altera diante dos nossos olhos permitindo sempre novas e inúmeras interpretações. A imagem-símbolo do atentado não afirma nem nega nada. É o registro de um cenário montado. Alguns jornais na época chegaram a afirmar que o tempo entre o choque dos aviões tinha sido inspirado pelos filmes de Hollywood: “Eis a imagem no banco dos réus”, relata Marie-José. Uma forma de, como diz o senso comum, matarmos o mensageiro e não a causa do atentado.
Mas não podemos negar que, no mundo “ocidental”, séculos e séculos de idolatria nos levaram a uma alienação visual. Aceitamos a imagem, não a questionamos. Nos esquecemos de que não existem olhares inocentes, mas intencionalidades por trás de quem produz ou seleciona uma fotografia e a elege como a única e possível representação de um fato. Sua repetição nos leva a crer que existe uma única forma de ver. Hoje julgamos e somos julgados pelas imagens.
Na efeméride, luzes tomaram o lugar das Torres Gêmeas, mais uma imagem dramática que nos rememora a original indelével. Talvez agora seja o momento – ou já tenha passado – de começar a decodificar as imagens, esquecendo a descrição iconográfica e atendendo mais à iconologia, o significado não tão evidente da imagem.
Como nos lembra pesquisadora de imagem francesa, Martine Joly (1943-2016), “uma imagem pode ser tudo e seu contrário – visual e imaterial, fabricada e natural, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora, destrutiva, benéfica e ameaçadora”.
Sua recepção necessita de códigos de interpretação, códigos estes que se alargam ou se estreitam com o passar do tempo. A imagem que se ressignifica por conta de um olhar que só existe porque um sujeito decidiu mirá-la. Como nos lembra Kossoy, “ao longo de sua trajetória, a sua significação muda, oscilando de significados de acordo com a ideologia de cada momento e a mentalidade de seus usuários”.
Passados 20 anos, a fotografia que pretendia mudar a percepção do mundo continua lá, estática e em silêncio. Só lembrada quando alguém a tira da gaveta e a repropõe diante de nossos olhos.