Se existe um local onde inclusão, decolonialismo e debate antirracista são muito presentes é na cena da arte contemporânea. Por isso, não deixa de ser estranho que o novo livro de Jacques Rancière, Tempos modernos – arte, tempo, política, se dedique a uma espécie de revisão do modernismo apenas com referências de autores homens, brancos e europeus ou estadunidenses.
Afinal, seu livro A partilha do sensível – estética e política, publicado no Brasil em 2005, é uma referência importante sobre a compreensão de que uma obra de arte deve ser vista sempre dentro do “tecido da experiência”, como o próprio Rancière conceitua, portanto dentro de um contexto.
É verdade que a publicação que sai, agora em 2021, pela editora N-1, reúne quatro textos já um tanto datados, a maioria de 2015. Sim, seis anos no atual momento, pós #metoo e #blacklivesmatter, é um período suficientemente largo, porque alterou paradigmas culturais e acadêmicos, que não toleram mais certas práticas ultrapassadas.
No Brasil, essa questão torna-se ainda mais pertinente pois já tiveram início as reflexões em torno dos 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, e muitos seminários e eventos buscaram rever a efeméride a partir de óticas mais inclusivas e de autoras e autores com distintas representatividades.
Regime da experiência
Apesar de tudo isso, o marxista Rancière segue buscando criar conceitos que possam olhar para formas de emancipação, como ao problematizar a noção de moderno como “construir um novo senso comum, um novo tecido sensível em que as atividades prosaicas recebam o valor poético que faz delas os elementos de um mundo comum”.
Esse “tecido sensível” é visto também como um “regime da experiência” e torna-se parte do foco desta pesquisa: apontar que a noção de tempo linear da modernidade deve ser repensada, pois “o tempo não é simplesmente a linha que se estica entre um passado e um futuro. Ele é também, e antes de mais nada, um meio em que se vive”. Dos quatro textos da publicação, com uma um tanto óbvia homenagem ao filme de Charles Chaplin, Tempos Modernos, dois deles são dedicados a linguagens específicas da arte: a dança e o cinema.
Sobre a dança ele aponta o caráter libertário e livre, especialmente dos anos 1920 e 1930, abordando coreógrafas e bailarinas de um amplo espectro: da expressionista alemã Mary Wigman (1886-1973), precursora da dança-teatro, à norte-americana Lucinda Childs.
Já no ensaio sobre cinema, Rancière trata de cenas específicas de três filmes: Um homem com uma câmera (1929), de Dziga Vertov, As vinhas da ira (1940), de John Ford, e Juventude em Marcha (2006), do português Pedro Costa. Ao menos aí, Costa representa uma certa marginalidade no pensamento tão eurocêntrico do autor.