Feiras de arte tendem, cada vez mais, a buscar nichos específicos, que concentrem colecionismo e temáticas regionais. Assim, desde que surgiu, Art Basel Miami Beach, por exemplo, vem se consagrando como espaço para o colecionismo latino-americano, refletindo as características da própria cidade-sede. De certa forma, o mesmo vem ocorrendo com a feira Arco, em Madri, utilizando os laços colonialistas do antigo império espanhol.
Na América-Latina, contudo, onde se encontra a origem desse colecionismo, duas feiras vêm se fortalecendo com a cena local: ARTBO, em Bogotá e arteBA, em Buenos Aires.
Estive na Colombia há seis anos, para conhecer a ARTBO, em sua então sétima edição. Naquela época, uma ótima curadoria de Octavio Zaya era vista em uma mostra dentro da feira, mas toda a infraestrutura ainda possuía um caráter um tanto precário e não havia uma representatividade qualitativa de galerias internacionais. Do Brasil, por exemplo, apenas Vermelho e Luisa Strina participavam.
Em apenas seis anos, é impressionante a mudança de ARTBO. Dessa vez, continuam expondo 57 galerias, mas agora sete delas brasileiras: das consagradas Fortes D’Aloia & Gabriel, Vermelho e Luisa Strina, a estreantes recentes, como Blau Projects.
Estavam lá também algumas das galerias mais influentes da América Latina, como Ruth Benzacar, de Buenos Aires e Luis Adelantado, do México. Da Espanha a respeitada Elba Benitez e não cito as colombianas, por motivos óbvios. Faltam várias outras, especialmente mexicanas, mas o fato é que em seis anos, a feira deixou um ambiente provinciano, para ser uma feira verdadeiramente representativa.
Essa mudança tem muito a ver com outra marca de grandes feiras, que são as seções paralelas: mostras com curadoria, debates, eventos, livros de artista.
Nesta edição, ARTBO possui uma exposição que realmente tem caráter museológico, “Referentes”, a cargo da colombiana Sylvia Suárez, que aborda a produção de gravura, do fim da Segunda Guerra à queda do muro de Berlim, especialmente na Colômbia. Retratando questões que transitam entre a violência do narcotráfico às questões de gêneros, artistas como a peruana Tereza Burga, o mexicano Ulises Carrión e os colombianos Miguel Angel Rojas e Beatriz Gonzalez, estão entre os selecionados. Sem dúvida, este foi o ponto alto da feira, ao abarcar uma exposição complexa e com tantos artistas.
Já a seção de debates, denominada Relaciones Publicas, esteve a cargo de ninguém menos que o artista mexicano Pablo Helguera, reconhecido por sua série Artoons, onde ironiza o circuito das artes em imagens. Entre seus convidados, estiveram a artista cubana Coco Fusco, o curador mexicano Cuauhtémoc Medina, e a curadora venezuelana Gabriela Rangel.
Outra seção de grande visibilidade foi curada pela brasileira Kiki Mazzucchelli, Contra el Olvido (Contra o Esquecimento), composta por 15 artistas, que tratam de questões atuais como a falta de escuta marcada frente ao retrocesso mundial de conquistas sociais. Lá, estava a brasileira Rosana Paulina, das poucas artistas do país a abordar a violência contra os negros. Nesta seção também estavam gravuras do argentino Marcelo Brodsky, que retratam movimentos sociais em várias partes do mundo, da França aos Estados Unidos, incluindo aí o Brasil.
Além do próprio fortalecimento da feira, a cena de arte da capital colombiana vive um período positivo, com excelentes mostras em espaços institucionais, como a retrospectiva dos cubanos Los Cubanos, no Museo del Banco de la Republica, além de uma exposição especial da dupla no espaço NC-arte; e uma excelente mostra no espaço universitário Claustro de San Agustin, intitulada Selva Cosmopolita Reunida, com trabalhos que tratam da floresta amazônica, dos desenhos poéticos de Abel Rodriguez, presente na recente documenta 14, em Kassel, à política videoinstalação Selva Juridica, de Ursula Biemann e Paulo Tavares, vista na última Bienal de São Paulo, Incerteza Viva.
Espaços alternativos, como FLORA ars + natura, de Jose Roca, também mostraram sua vitalidade, com uma recente expansão, possibilitando mais de uma dezena de residências artísticas no local, todas ocupadas durante a feira.
Tudo isso levou à Bogota grande número de colecionadores latino-americanos, incluindo aí um grupo de brasileiros. É uma sinergia que leva as feiras a se tornarem espaços de irradiação, que vão muito além do mercado.
O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite da organização de ARTBO