Em 1957 um jovem com sua Rolleiflex começou a trabalhar no jornal Última Hora no Rio de Janeiro. Mais de sessenta anos depois e com um acervo de 140 mil fotografias, Walter Firmo – que aos 84 anos continua fotografando, mas de uma forma mais livre, com o olhar solto em seu andar pelas cidades – é sem dúvida um dos nomes fundamentais da fotografia brasileira.
Nascido em 1937 no subúrbio carioca de pais paraenses, pai negro e mãe branca, Walter Firmo, segundo Sérgio Burgi, curador e coordenador de fotografia do IMS: “Construiu a poética e a poesia de seu olhar voltado principalmente para a elaboração de um registro amplo e generoso da população negra e suburbana da cidade, olhar que estenderia em seguida para a população negra de todo o país, em suas lidas cotidianas, religiosidades, festas e múltiplas manifestações culturais, verdadeira ode à integridade, altivez, força, resiliência e resistência das pessoas negras, desejo permanente de justiça num país que insiste em permanecer estruturalmente estamental e segregacionista”. Trabalhou em vários jornais e revistas como o já citado Última Hora, Jornal do Brasil, revista Manchete, Realidade. Foi diretor do Instituto Nacional da Fotografia de 1986 a 1991, publicou livros e ganhou prêmios, como o Prêmio Esso de Fotografia em 1963.
O fotógrafo que, parafraseando outro fotógrafo o Ricardo Chaves, o Kadão, por meio de suas fotografias “abriu uma porta para o Brasil de verdade”. Um fotógrafo que correu o Brasil retratando a cultura popular, trazendo as cores e o pb, de um país que ele registrou sob muitos aspectos, esportes, política, mas acima de tudo gente. Sempre com um olhar que como ele mesmo conta não queria apresentar “o jornalismo da fratura exposta”, da dor, da notícia, mas a busca por sutilezas, por um aspecto não tão evidente à primeira vista.
Começou fotografando em preto e branco, a única linguagem possível para o fotojornalismo naquela época. Anos mais tarde conhece a cor, nas revistas Manchete e Realidade. Passa a ser reconhecido como um fotógrafo colorista, mas ele sabe muito bem como fazer uso dessas estéticas tão diferentes: “a cor é a fala da paixão, o preto e branco é uma foto mais silenciosa”.
Foi neste mar de imagens que os responsáveis pela exposição – curadores Sérgio Burgi, a curadora adjunta Janaina Damaceno Gomes, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do Grupo de Pesquisa Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra, e com a assistência de curadoria da conservadora-restauradora Alessandra Coutinho Campos e pesquisa biográfica e documental de Andrea Wanderley (integrantes da Coordenadoria de Fotografia do IMS) – mergulharam durante dois anos para extrair 266 fotografias que o IMS apresenta na exposição No Verbo do silêncio a síntese do grito: “Esse tempo foi necessário para entendermos tudo o que Walter Firmo havia produzido, tanto do ponto de vista profissional como de seu trabalho pessoal que acabam se misturando”, conta Burgi. Após essa análise um eixo principal acabou surgindo que foi a sua produção sobre a população negra e as raízes africanas. Foi em 1968, trabalhando nos Estados Unidos que Walter Firmo teve contato com os movimentos negros e a luta pelos direitos civis. Este encontro marcou profundamente sua fotografia.
O título foi pinçado de um texto que o próprio Walter Firmo escreveu em 1998. Ao ser perguntado sobre a frase ele responde: “O verbo do silêncio é a própria fotografia. Que você se encanta e quer traduzir através do seu sentimento e inteligência o que está na sua frente. A síntese do grito é o registro”.
Em dois andares do Instituo Moreira Salles, Walter Firmo passeia por suas fotografias: “Entro em conversa espiritual com estes personagens que eu fotografei. Eles são os meus totens”. São as fotografias entre tantas de artistas como Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus, Madame Satã, Artur Bispo do Rosário, que se misturam com as fotos de seus familiares: “Falar somente em auto representação é limitador quando falamos do Walter Firmo”, reflete a profa. Janaina Damaceno Gomes, curadora adjunta: “as fotos do Walter constroem um direito básico que é fundamental que é o direito de olhar, não só porque você se representa, mas porque você também tem direito de olhar o mundo”.
E é olhando o mundo que Walter Firmo, o sedutor das palavras e o sedutor das imagens, nos lembra em uma frase estampada na exposição: “A imagem não pode ser neutra. O poder do olhar deve influenciar as pessoas, porque o ato de fotografar tem que ser político, e não um mero acaso do instantâneo”.
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