Na definição simples de “nação”, o Dicionário Houaiss fala em agrupamento político autônomo, que ocupa território com limites definidos, e cujos membros respeitam instituições compartidas (leis, constituição, governo). E, mais do que isso, que compartilha um mesmo idioma, raízes culturais, costumes, passado histórico.
No Brasil, estamos longe de poder ter uma definição de nação que alcance os indivíduos ou os cidadãos que nele convivem territorialmente. Para muitos, definitivamente, a ideia de nação está ligada à ideia de um patriotismo desenvolvido por uns, para si mesmos.
A nação dos brancos é fundamentalmente dos brancos, que acumularam dinheiro e poder baseados no capital predador. Tudo que veio à tona, nestes últimos meses – sobre as práticas do garimpo ilegal em comunidades indígenas, o ataque brutal às terras e aos rios amazônicos, assim como o resgate de inúmeros trabalhadores em condições análogas à escravidão, em fazendas agrícolas de várias regiões do país – desmente, definitivamente, que possamos definir o Brasil como nação.
É como se houvesse uma impossibilidade estrutural de nação. A Constituição Brasileira, que, por si só, também não seria uma salvaguarda dos cidadãos, é literalmente atirada ao fogo, e a realidade mostra o quão são frágeis as estruturas que a defendem.
Recorramos às palavras de Tadeu Chiarelli, no brilhante artigo desta edição O samba do branquelo doido (pág. 10): “Parte da classe média ‘branca’ brasileira insiste em não se enxergar como integrante de uma sociedade definida por uma série de características e contradições, preferindo viver como se constituísse um grupo de exilados provenientes de outras sociedades e culturas. Vive no interior de Santa Catarina, como se fosse alemão, em São Paulo; como se fosse italiano; em Goiás, como se vivesse no Texas. Mas o paraíso desse grupo tende a ser mesmo os Estados Unidos, a Flórida, Miami e Orlando – para seus integrantes, uma espécie de Brasil que ‘deu certo’.
[…] Por essa necessidade de viver aqui, como se lá estivesse, é que essa classe acaba criando correspondentes locais ao que ela entende como sendo protótipos internacionais. Assim, Ismael Nery nunca é Ismael Nery. Para esse pessoal, Nery será sempre o ‘nosso’ Marc Chagall; Portinari o ‘nosso’ Picasso, Fabio Assunção, ‘nosso’ Brad Pitt. A Avenida Paulista como a ‘nossa’ Quinta Avenida, e assim, até culminar na crença de que Jair Bolsonaro seria o ‘nosso’ Donald Trump.”
Por outro lado, aqueles entre nós que entendemos a necessidade de refundar a nação, pensando-a como inclusiva, desenvolvida e solidária, começamos por onde podemos.
A ideia de defender a criação de políticas públicas inclusivas, respeitosas ao outro, e a construção de ambientes capazes de proporcionar a liberdade, são comentados em texto de Fabio Cypriano, mostrando o quanto é possível fazer acenos a uma refundação dessas políticas no âmbito da cultura.
Alguns exemplos já estão acontecendo e, assim como Sandra Benites, curadora indígena, foi nomeada para a direção de artes visuais da Funarte, Ana Flávia Magalhães Pinto, professora da Universidade de Brasília, foi empossada como Diretora Geral do Arquivo Nacional. Trata-se da primeira mulher negra que assume o cargo de direção do órgão, em 185 anos. Um passo enorme no apoio à pesquisa, gestão e democratização de documentos e do acesso ao conhecimento.
Em São Paulo, a inauguração da Pinacoteca Contemporânea, um projeto desejado desde 2005, longe de meramente agregar mais um equipamento cultural à cidade, trouxe um ganho exponencial para sua cultura. Foi um sopro de ar, reconhecido por todos os presentes. Maria Hirszman conta, nesta edição, todos os detalhes do projeto.
O prédio, pensado como um museu aberto, ressignificou o Parque da Luz, no Bom Retiro, o mais antigo parque público do município, construído em 1825, e tombado pelo CONDEPHAAT em 1981. O novo espaço expositivo se coloca num diálogo amoroso com a Pinacoteca de São Paulo, a Pina Luz, propiciando um novo passeio para a cidade.
Jochen Volz, diretor da Pinacoteca de São Paulo desde 2017, ressaltou, em seu discurso de recepção aos convidados: “Como dizem os arquitetos Paula Zasnicoff e Carlos Alberto Maciel, responsáveis pelo projeto, o museu deve ser um ‘oásis’.
[…] A Pina Contemporânea não é apenas uma ampliação de área expositiva, mas a oferta de outras maneiras – contemporâneas – de contato do público com a arte e com a cultura. A biblioteca da Pinacoteca, uma das maiores especializadas em arte brasileira do país, está instalada ao nível do parque, com acesso direto para todas e todos.”
Na capa desta arte!brasileiros, os dragões do acreano Chico da Silva nos lembram que temos uma luta permanente a perseguir, e a arte nos ajuda nessa peleja. ✱