O fotógrafo Harald Schultz surgiu em um tempo em que o universo indígena não era totalmente revelado. Quase todo o saber sobre a cultura dos povos originários era transmitido por etnólogos, antropólogos e sertanistas “credenciados”. Schultz tinha profissão dupla, era etnólogo e fotógrafo, o que facilitou bastante o seu ir e vir entre a Universidade de São Paulo (USP) e o trabalho de campo nas aldeias. Hoje, o processo decolonial mudou o panorama, e indígenas de várias tribos brasileiras frequentam universidades, fazem filmes, vídeos, escrevem livros, e qualquer um deles tem também seu lugar de fala. Em resumo, eles são os porta-vozes deles mesmos.
Dentro do contexto de divulgar trabalhos e pesquisas essenciais, o Sesc Ipiranga lança o livro Culturas Indígenas no Brasil e a coleção Harald Schultz, organizado pela conservadora Ana Carolina Delgado Vieira e pela museóloga Marília Xavier Cury, que mantiveram conversa com os indígenas Gerolino José Cezar (terena) e Dirce Jorge (kaingang).
O livro chega em meio às discussões sobre a preservação da cultura indígena pelos museus não dirigidos por eles e ainda em confronto com a dúvida se coleções de fotografias sobre indígenas têm que ter a curadoria de um deles. A publicação reúne vários textos de Harald Schultz em seu campo ampliado de pesquisa, dando visibilidade a um universo expandido. As imagens trazem traços das imagens-pensamento, resultado da formação dele e de suas aulas de fotografia ministradas na USP.
Uma de suas contribuições para a fotografia no Brasil nasce das reflexões sobre os estudos das linguagens fotográficas e seus aspectos técnicos. Nessa perspectiva de inovação, ele acompanhou de perto as transformações singulares da fotografia dos anos 1960 e as transmitia aos alunos com o objetivo de formar uma nova geração de profissionais.
Seu trabalho relevante foi desenvolvido em aldeias com o objetivo de contribuir para a preservação das culturas de matrizes indígenas. Em alguns locais, Schultz chegou a coletar cerca de sete mil artefatos de vários usos, além de filmes e fotografias que captam o cotidiano das aldeias, que hoje fazem parte do arquivo de campo do MAE-USP (Museu de Arqueologia da USP). A coleção de Schultz, sob a guarda do museu, soma mais de mil diapositivos (slides) entre os anos de 1942 e 1965. Ele sempre explorou os elementos presentes naquele universo, indistintamente das afinidades adquiridas nas constantes visitas.
A exposição do acervo do fotógrafo abre capítulos sobre museus e preservação de coleções indígenas. Considerado um fotógrafo importante na época, algumas de suas fotos são provas das técnicas inovadoras, cuja experiência perceptiva define-se na sobreposição de imagens e no uso de filtros e lentes especiais, um recurso novo naquele tempo.
Culturas Indígenas no Brasil e a coleção Harald Schultz, além de divulgar e fortalecer sua obra, também provoca reflexões sobre vários aspectos que envolvem os objetos coletados. Dividida em quatro partes, a primeira foca a trajetória do fotógrafo-etnólogo com alguns dados biográficos mais relevantes. Já a segunda coloca luz nas questões museológicas e reflete como introduzir políticas que respeitem os direitos de inclusão dos povos originários.
A terceira toca no tema dos estudos relacionados a coleções depositadas em museus, enquanto a última aborda a iconografia de 12 etnias contactadas por Schultz, além de uma coleção singular de fotografias dos objetos encontrados. O livro traz forte contribuição para o resgate do trabalho desenvolvido por Harald Schultz, tanto como fotógrafo quanto como etnólogo, além de abrir portas para outros estudos complementares. ✱
Todo apoio aos nossos queridos povos indígenas!!