El fluir del pensamiento (O fluxo do pensamento) é a primeira exposição retrospectiva em grande escala que a artista franco-argentina Marie Orensanz realiza em Buenos Aires em mais de dez anos. Com curadoria de Diana Wechsler (directora artística do Centro de Arte Contemporáneo – Universidad Nacional Tres de Febrero, Muntref, e vice-reitora da universidade que acolhe este Museu), a exposição reúne cerca de 100 peças, desde obras dos anos 1960 a trabalhos feitos para a ocasião, que ocupam cinco salas, um corredor e a entrada do antigo Hotel dos Imigrantes.
Localizado à beira do rio, na orla da cidade, esta construção erguida em 1912 para administrar a crescente onda de migração, com seus corredores de mosaico branco, suas escadas de mármore e suas janelas que permitem ver, de um lado, os edifícios do centro de Buenos Aires, e do outro, o horizonte que recorta o rio de la Prata com seu tons marrons, é um espaço apropriado para uma artista que conta com o deslocamento e em que as fronteiras entre os espaços se apagam, focos de seu trabalho.
O percurso inicial de Marie Orensanz (Mar del Plata, 1936) foi o clássico dos artistas argentinos dos anos 1960: abstrações dramáticas e materiais, pinturas e desenhos com ressonâncias de neofiguração, na primeira metade da década; estruturas primárias e um salto para estratégias conceitualistas com conotações políticas (La Gallareta, de 1969), e a preeminência da linguagem no final da década. Desde então, seu trabalho com a materialização da linguagem tem sido constante.
A exposição apresenta, com esmero, esses períodos e, embora permita um percurso cronológico, também é pontuada por obras muito recentes da artista que indicam recorrências e possibilitam releituras. Assim, por exemplo, a primeira sala é dominada por obras figurativas dos anos 1960: quatro grandes esmaltes sobre tela (La risa, 1965), dois desenhos da série Las máscaras (1966) e um vídeo de 2000 criado a partir da série de Os dominantes (1964).
Mas também há vitrines com cadernos, papéis soltos, croquis, catálogos e cartas de Orensanz de várias épocas, numa irradiação de expressão verbal constante que oferece uma resenha das grandes obras penduradas nas paredes: nas bocas fechadas, fragmentadas e deformadas, o diálogo com a profusão de textos escritos torna a tentativa de comunicação mais tangível.
Numa das vitrines, inclui-se também uma peça de mármore desenhada e anotada, um gesto que antecipa o que veremos mais adiante e que sublinha uma operação-chave para Orensanz: assim como a página e a tela podem adquirir dureza e permanência, pode-se tratar o mármore como um pedaço de papel que abriga uma nota efêmera. Um desenho na sala ao lado diz: O ambiente condiciona as pessoas, com uma tipografia que remete às fantasias de clareza e classificação da diplomacia e da ciência, mas também à famosa zombaria de Magritte. Esta é uma das frases que compõem o manifesto Eros, que Orensanz apresentou em Milão em 1974, e que constitui algo como o texto-base de onde extrairia os axiomas de suas obras mais conhecidas.
Todas as obras deste setor parecem responder à frase dessa frase, procurando desarmar o condicionamento espacial com operações de abertura. A peça central é a que ganhou o Prêmio Braque em 1969, composta por uma fita adesiva preta colada sobre placas de acrílico transparente no chão e na parede, criando a ilusão de um plano imaterial. Mas também inclui alguns desenhos de paisagens. Nelas coexistem grelhas quadrangulares em preto e branco com áreas pintadas com arestas desfocadas que sugerem paisagens naturais. Diante do cálculo e planejamento de formas reticulares, as linhas difusas abrem a possibilidade do indeterminado e do desconhecido.
A ala seguinte está dividida em três partes: uma, centra-se nos seus trabalhos em mármore; outro – o maior –, em objetos de metal; e o terceiro combina obras audiovisuais e fotográficas. A seção dedicada às suas obras de metal inclui versões reduzidas das suas peças mais conhecidas, como Pensar é um facto revolucionário, em exposição permanente no Parque de la Memoria.
Na terceira sala, uma parede que é pura imagem (quatro fotografias) opõe-se a uma instalação que é (quase) puro som (Hablamos, de 2007); unidas por uma terceira parede que combina imagem e som, com três vídeos da artista, entre eles o conhecido Limites (1979). No primeiro, encontramos reproduções fotográficas em grande formato de uma ação realizada em Paris em 1982. Convidada por Julien Blaine para realizar intervenções em rodapés e monumentos, Orensanz experimenta poses lúdicas que sublinham limites e exclusões nos valores grandiosos associados aos monumentos históricos. Em uma delas, a artista traz uma placa que diz Fragmentisme à base do monumento vazio, e ali condensa a chave que percorre sua obra de mais de meio século: nela os fragmentos (de rostos ou paisagens, de papel ou de mármore) não são falhas ou desperdícios, mas aberturas e, portanto, uma plataforma para o ilimitado.