A charge de J. Carlos do começo de 1937 é certeira. Nela, Getúlio Vargas espalha cascas de banana em torno do Palácio do Catete, a sede do governo. Na vida real, ele já armava ciladas para afastar do Catete potenciais candidatos à sua sucessão. No poder desde 1930 e impedido de concorrer nas eleições de 1938, Getúlio planejava perpetuar-se como “chefe da Nação”.
Deu o golpe há 80 anos, no dia 10 de novembro de 1937. Naquela quarta-feira, o Congresso amanheceu ocupado pela polícia. Depois de cerimônia sem pompa nem circunstância, entrou em vigor a Constituição que vinha sendo preparada em sigilo havia meses pelo ministro Francisco Campos. Inspirada em modelo semifascista polonês, ficou conhecida como “Polaca”.
À noite, Getúlio fez um Manifesto à Nação: anunciou em cadeia nacional de rádio que o Brasil vivia sob uma nova ordem política, o Estado Novo. Ele continuaria na posição de chefe inconteste do país, à frente de um regime de extrema direita nacionalista, inspirado na Alemanha nazista de Adolf Hitler; na Itália fascista de Benito Mussolini; na Espanha franquista de Francisco Franco; e no Portugal salazarista de António Salazar.
Mais tarde, ele citou o Manifesto à Nação em seu diário, quase como se fosse um ato rotineiro: “Depois dos cumprimentos da assistência e de palestrar um pouco, retirei-me com a família e as Casas Civil e Militar, indo jantar na embaixada argentina. O embaixador Cárcano seguia para Buenos Aires, e lhe havia prometido esse jantar de caráter íntimo”.
Na verdade, o golpe foi precedido por articulações que tumultuaram o cenário nacional. A principal delas envolveu a divulgação pelo Estado-Maior do Exército de um documento batizado como Plano Cohen, com “instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação de seus agentes no Brasil”. Era o fantasma do comunismo no horizonte.
Com acentuada coloração antissemita, o Plano Cohen não passava de uma ficção. Tinha sido escrito pelo capitão do Exército Olímpio Mourão Filho, aquele que mais tarde, como general, daria início ao golpe civil-militar de 1964. Mesmo falso, o plano funcionou para assustar a população e apontar Getúlio como a saída para tirar o Brasil das garras dos comunistas.
Na memória popular, havia um trauma recente. Afinal, dois anos antes agentes da Internacional Comunista associados ao brasileiro Luiz Carlos Prestes, tentaram tomar o poder. Quando o Estado Novo foi decretado, Prestes e sua mulher, a ativista Olga Benário, estavam presos. Depois, Olga foi deportada grávida para a Alemanha nazista.
Para Olga, a deportação representou uma sentença de morte. Alemã de origem judia, comunista, ela acabou morta no campo de extermínio nazista de Bernburg. Para o Brasil, o Estado Novo representou um período de oito anos marcado por intensa centralização do poder e cruel repressão política. Ao mesmo tempo, aconteceram avanços, em especial na industrialização e na concessão de amplos direitos trabalhistas.