Prestes a completar um ano de mandato à frente da Secretaria de Cultura e Turismo (SECULT) de Salvador, Pedro Tourinho já começa a vislumbrar os resultados dos desejos ou impulsos que o levaram assumir o cargo, ainda no auge de uma carreira de ímpar capilaridade: nascido na capital baiana, formado em comunicação social, é um especialista em entretenimento e mídia. Já foi empresário de, entre outros, a cantora Anitta. É investidor e advisor de startups. Em 2019, lançou o livro Eu, eu mesmo e minha selfie, obra que fala sobre imagem pública.
Nada disso, porém, ergueu-se sobre os desafios – e os desejos – que ele colocara para si ao aceitar o cargo: finalmente inaugurar o Museu da Cultura Afro-Brasileira (Muncab); investir na sustentabilidade dos Blocos Afro de Salvador, e criar um programa municipal de audiovisual. Todas as ações, obviamente, refletem um objetivo de reparação, que vai bem além da folclorização da Cidade da Bahia e de suas gentes. Para Tourinho, a gente (preta) de Salvador não quer apenas a diversão e arte de que é, ressalta-se, protagonista nesta cidade, em que mais de 80% da população é afro-descendente. Quer renda, quer a devida prosperidade.
“Em Salvador, o maior vetor econômico da cidade é o turismo, que está diretamente ligado à cultura. Quem vem aqui, vem para viver a cultura da cidade”, assevera o secretário. “E a identidade dessa cultura é negra. Por que, então, os negros não se beneficiam economica e politicamente disso como deveriam?”, indaga Tourinho, em entrevista à arte!brasileiros.
Ao assumir a secretaria, Tourinho partiu de uma obviedade – seria um contrassenso competir com a sazonalidade da programação cultural de Salvador. Fossem as festas juninas, hoje inseridas em grandes shows que ultrapassam a tradição do forró para incorporar manifestações musicais de grande parte do país, em especial do universo da música sertaneja. Ou as comemorações dezembrinas, como o Festival da Virada pré-Réveillon, que, por sua vez, antecede, as Festas de Largo, cujos ápices são a Lavagem do Bonfim (janeiro) e a Festa de Iemanjá (fevereiro). Todas realizadas em antecipação ao Carnaval, diga-se de passagem.
A solução foi criar uma “nova sazonalidade”, com o Novembro Salvador Capital Afro. Suas vivências como soteropolitano e suas experiências no mundo do entretenimento e da cultura, no Brasil e fora dele, deram um tempero singular à programação. Com mais de 23 projetos, o calendário inédito incluiu, entre outros, desfiles de moda (Afro Fashion Day), festivais de empreendedorismo e inovação negra (Salvador Capital Afro) e o Liberatum, um evento internacional humanitário, que já passou por 13 países, incluindo Reino Unido, Índia, México, EUA, Filipinas, Turquia.
Em Salvador, o Liberatum reuniu lideranças negras do mundo das artes, tecnologias e dos negócios. Entre as personalidades presentes estavam as atrizes Viola Davis, Angela Bassett e Taís Araújo; o intelectual nigeriano, e vencedor do prêmio Nobel de literatura, Wole Soyinka; e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, entre outros.
O Novembro Afro apresentou também o Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil, com convidados internacionais que debateram a cadeia produtiva do audiovisual com produtores da capital baiana. O mês festivo marcou também a tão esperada reabertura do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), uma das prioridades de Tourinho a assumir o cargo na SECULT.
“Eu tinha três objetivos iniciais: um deles era não ia perder a viagem. Eu iria entrar para, ações mais urgentes abrir o Muncab. Inicialmente, a gente pensava em fazer uma instituição nova, do zero, procurar um espaço. Até separamos investimento para isso. O Munca vinha num imbróglio há muito tempo, quase 20 anos”, conta o secretário.
Ao mesmo tempo, conta Tourinho, ele soube que a gestão da associação por trás da instituição havia mudado, e duas diretoras teriam saneado todas as pendências jurídicas e financeiras. “Então, o prefeito e eu entendemos que não era o caso fazer de se fazer um museu novo. A gente tinha de fortalecer o que havia. Isso foi em abril e reabrimos o museu em novembro com a exposição Um Defeito de cor“, conta.
O segundo objetivo, diz Tourinho, foi investir na sustentabilidade dos Blocos Afro de Salvador, “colocá-los também num lugar de protagonismo no cenário cultural”. Tourinho fortaleceu o apoio às agremiações e, atualmente, em todos os dias da semana há um Bloco Afro se apresentando no Centro Histórico, para os turistas e a população da cidade.
“A gente também aumentou nossos investimentos durante o Carnaval, reformamos a sede do Malê Debalê, em Itapuã, e vamos fazer o mesmo com o Ilê Aiyê, um prédio no Curuzu que está há quase uma década sem obras”, conta. “Vamos climatizar, fazer com que a escola volte a funcionar, que tenha espaço para a capacitação da comunidade. E em 2024 vamos ter um Carnaval em homenagem aos 50 anos dos Blocos Afro”.
A segunda coisa foi investir na sustentabilidade dos Blocos Afros de Salvador, colocá-los também num lugar de protagonismo no cenário cultural. Conseguimos aumentar o apoio, então hojem todos os dias da semana há um Bloco Afro se apresentando no Centro Histórico para os turistas e a população da cidade. A gente também aumentou nosso apoio durante o Carnaval, reformamos a sede do Malê Debalê, em Itapuã, e vamos fazer o mesmo com o Ilê Aiyê, um prédio no Curuzu que está há quase uma década sem obras. Vamos climatizar, fazer com que a escola volte a funcionar, que tenha espaço para a capacitação da comunidade. E em 2024 vamos ter um Carnaval em homenagem aos 50 anos dos Blocos Afros.
O terceiro item, prossegue o secretário, era ter um Programa Municipal de Audiovisual para Salvador. “Nós lançamos em março a SalCine, um projeto completo que vai desde capacitação e formação de profissionais para trabalhar no audiovisual visual. São mais de 5 mil vagas em cursos profissionalizantes, que vão das áreas técnicas até aulas de roteiro e de produção executiva, entre outros”, explica.
“Também tivemos um edital bem robusto na Lei Paulo Gustavo para o audiovisual, com uma previsão de quase R$ 40 milhões, e também anunciamos a Salvador Film Comission [órgão municipal que incentiva, facilita e apoia a produção cinematográfica, televisiva ou publicitária em locais públicos da cidade]. A secretaria também está em tratativas com o setor empresarial, com vistas a uma PPP [parceria público-privada] para a construção de estúdios na cidade”.
Em janeiro, Tourinho promove outro evento ligado à cultura afro-diaspórica em Salvador: os Rolês Afro. Ao longo do mês, 30 pontos e dez roteiros estão sendo montados para turistas e a população local, claro. Serão locais e programações cultural e historicamente relevantes para promover e discutir questões relacionadas à diáspora.
Para além das iniciativas diretamente ligadas à cultura, Pedro Tourinho também abraçou, junto à prefeitura, um projeto de urbanismo voltado ao Centro Histórico de Salvador, de desenvolvimento socioeconômico por meio do turismo e, claro, da cultura.
“São três pilares”, explica. “Um de zeladoria, em que a gente aumentou a atuação da prefeitura na área de coleta de lixo, segurança e iluminação e no ordenamento público. Então os incidentes de criminalidade caíram 70% de março para cá. Outro, um programa de habitação, em parceria com o Banco Internacional de Habitação, o Ministério da Cultura e o Iphan. Por fim, uma programação cultural diária, que envolve desde os Blocos Afro, até as comemorações de São João e de Natal, por exemplo”.
Nas artes visuais, Pedro Tourinho destaca não somente a reabertura do Muncab, mas também o apoio ao Acervo da Laje e à exposição Memórias para Dona Antônia. “Estamos também conversando para construir um espaço próprio deles em Plataforma [bairro no subúrbio ferroviário da capital baiana]”, conta.
O secretário lamenta a grande dificuldade que tem com a captação de recursos junto ao setor privado. “Não houve nenhum apoio substancial de qualquer marca a esses projetos. Enquanto você vê marcas investindo milhões para fazer uma ativação ou mesmo estandes em festivais como o Rock in Rio ou o The Town, o Afropunk, que é um evento internacional, não teve qualquer patrocinador grande, tampouco o Liberatum”, pondera. “Existe um direcionamento do eixo Rio-São Paulo de não investir no restante do Brasil, como se isso não fosse importante. E a contradição é esta: a Bahia está presente em todos esses eventos com seus artistas. A cultura baiana é muito forte”.
Tourinho lastima ainda que o Muncab não tem “qualquer doador, patrocinador ou mecenas privado”. “A cultura dos artes visuais Salvador, a cultura negra é tão importante para as artes visuais brasileiras, como é que essas pessoas pretendem alimentar isso?”, questiona. “Querem apenas criar uma ideia de raridade e assim valorizar, gerar aquela velha especulação? Não pode ser assim. É preciso entender que a criatividade vem da dor, vem da dificuldade, mas também vem com a prosperidade. Ela não precisa estar ligada somente às questões sistêmicas. É possível, e é muito bom, criar na prosperidade”.