Não vem de hoje essa história de pagar propina em parcelas. O inusitado é devolver a bufunfa sem ter sido flagrado pela polícia na hora da entrega. Foi o que fez Mário Juruna, o primeiro – e único – indígena eleito deputado federal no Brasil. Numa sexta-feira, 26 de outubro de 1984, Juruna exibiu pilhas de dinheiro durante uma coletiva que convocou em Brasília.
A soma equivalia a cerca de US$ 10 mil. Pelo relato do parlamentar, era a primeira de quatro parcelas que receberia para votar no candidato da ditadura, Paulo Maluf, nas eleições indiretas de janeiro de 1985. O outro candidato, Tancredo Neves, representava a oposição. Naquela altura, a emenda das eleições diretas tinha sido derrubada no Congresso.
Pelo relato de Juruna, a primeira parcela deveria ser acompanhada de uma declaração de apoio a Maluf. A segunda viria assim que ele confirmasse que tinha ‘malufado’. As outras duas parcelas seriam quitadas na véspera e no dia seguinte à votação. O acerto tinha sido feito em um hotel de Brasília, com o empresário Calim Eid, tesoureiro de campanha de Maluf.
Juruna, que ficara famoso por usar sempre um gravador “para registrar tudo o que o branco diz”, tinha dificuldade em lidar com dinheiro, em dimensionar valores. Ainda assim, negociou e recebeu uma quantidade de cédulas que nem sabia contar. Depois, confessou a falcatrua ao sertanista José Porfírio Fontenele de Carvalho, de sua assessoria.
Como Juruna tinha sido eleito pelo PDT, o sertanista avisou à liderança do partido, ressaltando que o xavante estava decidido a devolver o suborno o mais rápido possível. Para o sertanista, o ideal seria entregar o dinheiro ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, que teria de providenciar uma investigação em torno da compra de votos.
Leonel Brizola, líder do partido, avaliou que o melhor seria convocar uma entrevista. Fez barulho. Só que, na sequência, Calim Eid e Maluf negaram tudo. O dinheiro do suborno foi depositado em uma conta do empresário. Nas eleições seguintes, Juruna tentou, mas não se reelegeu. Morreu pobre e esquecido nos arredores de Brasília, em 17 de julho de 2002.