Por Lincoln Secco*
As manifestações que se sucederam no Brasil deixaram todos perplexos. Alguns falaram em revolução, outros em golpe, alguns em civismo. E há até aqueles que culparam o Movimento Passe Livre.
O primeiro aspecto a ser considerado é sua diversidade regional. É possível que, no futuro, pesquisas mostrem uma variedade social maior no Rio de Janeiro, a presença do tema da Copa do Mundo mais fortemente no Nordeste e a pauta tipicamente de direita com mais força em São Paulo. Embora tudo isso esteja em todos os lugares em combinações diferentes.
O segundo aspecto a considerar é a conjuntura internacional. Não parece coincidência que os levantes brasileiros se deem depois das rebeliões que ocorreram no mundo árabe e no sul da Europa, nem que ambas tivessem uma direção fragmentária e pautas apressadas que fizeram o movimento perder ímpeto e não conseguir mudar a lógica eleitoral subsequente. É possível que no Brasil se dê a mesma coisa?
O terceiro aspecto é a composição social dos manifestantes. Pelo menos até o fim de junho, tratou-se de uma rebelião da classe média com a participação um pouco maior de pobres em poucas regiões do País. Lembremos que cidades pequenas e estados de diferentes indicadores sociais tiveram manifestações e elas não foram homogêneas. Apesar disso, as grandes manifestações nas capitais foram de jovens com ensino superior.
Ora, o crescimento do número de alunos de universidades no Brasil deve ter tido algum impacto no movimento de 2013. O Brasil tem 6,5 milhões de universitários, segundo o Ministério da Educação (MEC). Houve um avanço de 110% em relação ao total de matrículas em cursos de graduação registrado em 2001! Segundo a Folha de S. Paulo, 84% dos manifestantes do dia 17 de junho não tinham preferência partidária, 71% participaram pela primeira vez de um protesto e 53% têm menos de 25 anos. Os estudantes eram 22% entre os manifestantes e pessoas com ensino superior, 77%.
A composição social determina a agenda do movimento? A classe média é uma classe em trânsito. Como em um ônibus, alguns querem entrar. Mas diferentemente de um ônibus lotado, muitos têm medo de descer. Só uma pequena parcela acredita mesmo que vai ascender rapidamente à classe superior. Ora, uma classe em trânsito é uma classe em transe. Ela é capaz de unir programas opostos em um mesmo movimento. Ela pode oscilar para a esquerda e a direita. Nas manifestações de 2013, é possível que estivessem jovens da classe média tradicional com medo de descer e jovens resultantes das melhorias sociais e econômicas induzidas pelo governo Lula. Esses querem “entrar no ônibus” porque suas expectativas subiram mais do que sua condição social.
O fato de que a direita midiática tenha conseguido por algum tempo sequestrar um movimento que também tinha potencialidade de esquerda comprova que, apesar de a maioria dos jovens manifestantes usarem a internet para combinar os protestos, os temas continuam sendo produzidos pelos monopólios de comunicação. A comunicação em rede já estava propagada desde o século 19, quando Karl Marx criou seu círculo de correspondência europeu. Mas, antes, ela se dava de maneira escrita ou falada e só as pessoas mais inclinadas a se politizar atendiam a esses apelos. O impresso era a forma de mediação. A internet é um espaço de interação entre indivíduos, mediada pelo mercado de consumo. E os desejos de consumo de produtos ou ideias são induzidos pela propaganda dos monopólios.
É preciso dizer que os militantes da esquerda no Brasil são, basicamente, de classe média. Assim como a direita. Essa condição de classe orienta as direções de toda a esquerda a buscar no movimento de junho suas contradições para disputá-lo. É natural que a esquerda acredite que ali está seu celeiro de novos membros. Ocorre que, do ponto de vista político, um movimento fragmentário pode ter várias direções e leituras. Mas do ponto de vista do teatro de operações, ou nesse caso das ruas, só há dois lados. Se a direita (que está nas alturas da grande imprensa) conseguiu sequestrar o movimento, qual caminho restou à esquerda? Não seria mais ali a disputa e, sim, no lugar em que o governo liderado pelo PT até agora não quis travá-la: o da democratização dos meios de comunicação de massa.
*Professor do Departamento de História da na Universidade de São Paulo (USP)