Desde 1993, o brasileiro Maurício Dias e o suíço Walter Riedweg formam uma dupla artística, para a qual a ideia de parceria não se concretiza apenas no trabalho conjunto, mas, especialmente, em um tipo de trabalho que envolve também outras pessoas, coletivos ou comunidades.
É como se o método de trabalhar Dias & Riedweg se expandisse como uma necessidade vital e viral, incorporando sempre outros além deles próprios, uma abordagem praticamente única no cenário nacional das artes visuais, de egos tão inflados. Foi assim, só para citar um caso, com Os Raimundos, os Severinos, os Franciscos (1998), exibido na 24ª. Bienal de São Paulo, que envolveu porteiros e zeladores nordestinos da capital paulista.
Nunca são obras “participativas”, tampouco ilustrativas sobre o tema escolhido, mas uma espécie de aproximação afetiva, que seleciona momentos desses encontros e se formaliza de maneira muitas vezes encenada, próxima da ideia de uma obra de arte total, que acolhe o espectador em vários sentidos.
Em sua mais recente exposição, CameraContato, que esteve em cartaz na galeria Vermelho em abril e maio passados, pela primeira vez a obra de Dias & Riedweg se aproxima de outro artista, o fotógrafo norte-americano Charles Hovland (1954).
A obra de Hovland é surpreendente em si. Em um anúncio no tablóide novayorquino The Village Voice ele ofereceu seus serviços para fotografar as fantasias sexuais de interessados, nos anos 1980. Durante mais de 20 anos, Hovland retratou todos os tipos e representações de sexualidade de jovens e idosos, gordos e magros, ilustres e desconhecidos em seu estúdio em Manhattan, reunindo um arquivo de três mil rolos de filme PB, com as respectivas provas de contato.
Ainda nesse período, ele produziu mais de 450.000 cromos fotografando nus masculinos para revistas como Mandate e Honcho, sob o pseudônimo Chuck, trabalho que teve início a partir do convite de um de seus clientes. Além de fotógrafo, ele ainda é ativista de movimentos e organizações não governamentais na luta contra a AIDS, como ACT UP, ou seja, uma figura impar, mas protagonista hoje esquecido.
Foi a partir do imenso arquivo de imagens eróticas de Hovland, testemunha de um tempo de fantasia e desejo anterior às facilidades das câmeras digitais e dos nudes distribuídos em aplicativos de encontros, que Dias & Riedweg criaram CameraContato.
Em um momento quando instituições de arte são perseguidas por abordarem temáticas queer e museus se autocensuram para evitar ataques, a exposição foi um suspiro necessário frente à onda conservadora que ocorre no país.
A mostra foi composta por duas grandes instalações, Arquivo fantasia e Arquivo romance e subprodutos objetuais – fotos emolduras criadas a partir delas.
Em Arquivo fantasia (2017) as folhas de contato PB de Hovland foram recriadas em animações de vídeo digital, apresentadas em cinco vídeos verticais, com áudio das anotações do fotógrafo sobre seus modelos, lidas em voz alta por ele mesmo.
Já Arquivo romance (2018) projeta fragmentos de corpos nus retratados por Hovland mas vistos por um caleidoscópio, fragmentando assim as imagens eróticas, tornando-as às vezes visíveis, às vezes abstratas. Na mostra também foi exibido o filme Esperando um modelo, um documentário bastante subjetivo sobre Hovland em seu estúdio, um lugar bastante surreal cheio de pequenas coleções, de objetos religiosos a bonecas.
Assim, em CameraContato, a dupla apresenta pistas de uma história complexa, sobre um fotógrafo que retratava as fantasias sexuais de outros quando sexo se tornou sinônimo de morte com a Aids. Por isso, é uma mostra que, afinal, também fala de parcerias, cumplicidade e empatia, a estratégia central dos trabalhos das dupla.