Texto de Luciano Martins Costa*, originalmente publicado em 07/04/2017
O processo político em curso no Brasil, desde a eleição presidencial de 2014, é um projeto em que o fascismo se infiltra no poder. Dito assim, cruamente, pode parecer um daqueles manifestos que circulavam nos meios universitários e sindicais durante a ditadura militar.
Dirá, então, o leitor ressabiado, que se trata de um exagerado alarmismo, uma vez que não se observam por aí aquelas milícias que precedem os regimes totalitários.
Acontece, porém, que, em toda a história contemporânea, desde as modernas democracias representativas, o fascismo se coloca de forma sutil, pero no mucho.
O fascismo se infiltra no poder
As milícias já foram às ruas, manipuladas pela mais assombrosa campanha de mídia registrada neste lado do mundo. Saíram, bateram panelas, mostraram suas faces rosadas e foram devidamente descartadas, como o são as minorias silenciosas depois de usadas. Agora frequentam apenas as redes sociais digitais.
Entregou-se, então, o poder ao chamado “baixo clero” do Congresso. O que se viu foi a sequência de revelações escapadas como gás metano do esgoto, de uma operação policial cujo objetivo era apenas criminalizar um dos lados da diversidade ideológica – exatamente aquele que poderia conter o domínio do poder central pelo fascismo.
O grupo deposto cometeu certamente seus desatinos, deixou-se engordar deliciosamente com o melaço da corte e fechou os olhos aos sinais evidentes de que havia algo de podre em seus domínios.
Mas o pragmatismo, ah, sempre o pragmatismo, aconselhava à brandura com os seus corruptos, e a presidente foi deposta acreditando que estava sendo vítima de uma “batalha da comunicação”.
O que está em curso não é uma simples batalha: é uma guerra de extermínio contra o projeto de capitalismo com diretrizes sociais experimentado na primeira década deste século.
É curioso observar que até mesmo destacados agentes desse projeto de reversão para o capitalismo “puro e duro”, indivíduos qualificados por décadas de exercício decente de suas atividades como juristas, comunicadores, líderes comunitários ou educadores, seguem candidamente a manada, sem se dar conta de que estão limpando o terreno onde será enterrada toda inteligência.
Como explicar, por exemplo, que um parlamentar declaradamente nazista seja convidado a pregar sua doutrina de violência e intolerância num clube de judeus, provocando risos de simpatia e aplausos entusiasmados? O que é mais significativo? O aplauso dos mentecaptos presentes ou o silêncio daqueles intelectuais da comunidade judaica que se arvoram em gestores da consciência coletiva?
O mais significativo é certamente essa modorra, essa falta de uma ação política nos termos propostos por Hanna Arendt, ou seja, a ação política é inerente à condição humana.
O fascismo é exatamente o lado oposto dessa moeda: a imposição de uma condição humana de submissão por meio da negação da política.
O projeto fascista em curso no Brasil tem poucas possibilidades de se estabelecer no longo prazo, e quem diz isso é o guru dos gestores desse processo, o economista austríaco Ludwig von Mises.
Von Mises defendeu a admissibilidade do fascismo (exatamente como os judeus que aplaudem Bolsonaro), em seu livro intitulado “Liberalismo”.
Mas os leitores de Von Mises costumam omitir que seu guru defende o fascismo apenas como um meio de intervenção por curto prazo “um improviso para fazer face a uma emergência” – nas próprias palavras do autor.
No caso, a “emergência” é a destruição de todos os projetos de intervenção do Estado no campo social, oferecendo o território para privatizações.
O que vem depois é o campo arrasado sobre o qual será preciso construir novamente um projeto de bem-estar coletivo, inclusivo, democrático.
Como a História é plena de ironias, a ironia no caso presente é o fato de que os construtores desse projeto de demolição usam como massa de manobra as classes médias urbanas, manipuladas por uma mídia irresponsável. Que vão pagar o preço dessa aventura.
Essa é uma das razões pelas quais chamamos esses indivíduos de “midiotas”.
*Luciano Martins Costa é crítico de mídia.