Apresentamos aqui o sétimo e último texto referente à serie “A Educação do Olhar e a Leitura de Imagens – Desafios Éticos pra os Museus” do Professor Christian Ingo Lenz Dunker
Resumo
Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.
7 Universalismo e Particularização: Determinação e Indeterminação
Partimos da curadoria como escuta do conflito entre sistemas simbólicos e chegamos ao museu como lugar de articulação entre formas estéticas e contradições sociais.
Como nos lembra Axel Honneth a experiência da formação encontra-se entre a dialética do amor e da amizade e a dialética das leis da ética. Reunir os afetos comunitários e as demandas sociais com a força instituinte e institucional do museu, convoca afetos atinentes ao espaço da formação cultural: respeito. Por isso a resposta museológica não pode ser apenas uma resposta normativa, que olha para o passado e o dá por resolvido, criando uma regra de decisão para o futuro. Ora, um futuro pensado deste jeito, como correção do passado, jamais encontrará a verdadeira experiência de reparação (amendment), no sentido psicanalítico, ou de cura, no sentido clássico da palavra.
Isso pode se tornar mais exasperante, confirmando as piores experiências de exclusão simbólica, cognitiva e comportamental. Convidar alguém a exprimir seus sentimentos e externalizar suas opiniões, como se todos os discursos fossem igualmente legítimos e válidos, como se não houvesse diferença entre cultura erudita e popular, é um erro que reproduz a violência simbólica que visa teoricamente superar. O reconhecimento institucional é importante e insuficiente. É preciso também o reconhecimento como experiência de partilha da indeterminação e da determinação. Ninguém consegue estranhar-se sem que antes tenha sido capturado pelo litoral de saber onde se encontra. E se no caso das populações excluídas, este litoral é dado pela experiência escolar, isso deveria ser reconhecido antes da extração compulsória do lugar à voz.
A experiência produtiva de indeterminação não é apenas a negação da determinação, imposta pelos sistemas simbólicos hegemônicos e pelas suas gramáticas reificadas de colocação de conflitos ou de solução da demanda bífida de renovação formal e de transformação social. Isso é angústia ou anomia, mas não empuxo a mudar a si e ao mundo.
Um bom exemplo de como a indeterminação pode se tornar uma força produtiva, quando associada com a forma estética está no trabalho do chileno Alfredo Jaar.
Percorrendo as ruas destruídas pelo desastre nuclear de Fukushima ele percebe a profusão de giz e lousas, espalhadas em torno das escolas. Aulas que nunca mais serão dadas. Alunos que jamais verão seus professores. Com os resíduos de giz ele faz uma espécie de tanque, onde a memória da violência e da perda, remete simultaneamente ao que poderia ter sido e ao que será, por sua reconstrução como obra. Articulação semelhante se encontrará na obra que reúne um milhão de passaportes finlandeses, para indicar o déficit de acolhimento de estrangeiros naquele país. Passaportes produzidos com verdadeiro papel moeda, e que ao final serão queimados em um ato que reverbera o desperdício e o acúmulo de recursos não partilhados. A meterialidade do espaço, separado por uma parede de vidro, através da qual se pode enxergar os passaportes, mas não possuí-los, interpela aqueles que serão excluídos para sempre de uma nova morada. Sem hospitalidade, sem hospedeiro e mesmo assim uma escuta empática dos refugiados na Europa de nossos dias.
Durante muito tempo os museus foram lugares reverenciais, assemelhados às catedrais medievais, feitas para produzir o sentimento de apequenamento e de culpa. Lugares nos quais o corpo do frequentador mostra seu passaporte de classe e exibe seu acúmulo de capital cultural diante da suposta inveja dos passantes adjacentes.
Mas não é suspendendo esta história, que é a história dos próprios construtores de história, que vamos concorrer para a emancipação do olhar e para a invenção de mundos ainda impensados pela ciência e pelos discursos reprodutivos.