ENQUANTO O ARTISTA QUISSAK JÚNIOR ERA AMEAÇADO DE PRISÃO PELA OBRA BANDEIRA NACIONAL, O AMERICANO JÁSPER JOHNS RECEBIA O PRÊMIO DE PINTURA, COM FLAGS, NA MESMA 9a BIENAL DE SÃO PAULO

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omo uma ditadura pode modificar a fisionomia cultural de um país? O Brasil já experimentou desse veneno com o Golpe de 1964, quando o regime militar passa a ditar normas para todos os setores da sociedade e, as artes plásticas não fogem à regra.

Um dos torpedos é desferido na Bienal Internacional de São Paulo, em sua edição de 1967/1968, quando minutos antes da inauguração, a Polícia Federal retira a obra de Cybele Varela por julgá-la “ofensiva” às autoridades. O jovem artista Quissak Júnior é ameaçado de prisão por seu trabalho, cinco óleos sobre tela, moduláveis, representando a bandeira brasileira. Contrapondo-se a essa proibição, os Estados Unidos, com a maior sala na exposição, o Ambiente USA: 1957/1967, exibiram a bandeira americana em Three Flags, de Jasper Johns, um dos Prêmios Bienal de São Paulo, ao lado de César, Cruz Dias e Pistoletto.

Na edição seguinte, com a promulgação do AI5 (Ato Institucional no 5), a situação piora. O crítico Mário Pedrosa é ameaçado de prisão, assim como Mário Schenberg. Muitos intelectuais saem do País e outros são exilados.

No Rio, a polícia invade o MAM e fecha a exposição que reunia as obras dos brasileiros que participariam da 6a Bienal de Paris. O ministro das relações exteriores, José de Magalhães Pinto, em artigo publicado pela Folha de S. Paulo, dizia que as obras continham mensagem contra o regime e “pretendiam incompatibilizar o governo com a opinião pública”. Diante da repressão a participação dos brasileiros se restringe às áreas de arquitetura, urbanismo e música.

Nesse ano de 1969 a Bienal de São Paulo sofre seu maior revés, o “boicote internacional”, que começa com os artistas brasileiros e transcende as fronteiras, chegando aos Estados Unidos, França, México, Suécia e Holanda, onde muitos artistas aderiram ao movimento. Na Europa, a ação era liderada pelo crítico francês Pierre Restany, amigo de Mário Pedrosa, que na reunião no Museu de Arte Moderna de Paris, declara: ”O protesto cultural toma aqui uma súbita expansão, e isto é somente o início”. A petição de boicote contou com 321 assinaturas e teve adesão de Pablo Picasso. Pontus Hultem, sueco, um dos mais  atuantes críticos na época, responsável pela formulação do conceito do Beaubourg, de Paris, foi um dos militantes do movimento. O manifesto chegou a Nova York, com artigo no New York Times, criticando a censura brasileira nas artes. No Itália, o Corriere della Sera publicou: ”A Bienal está em perigo por causa da situação política do Brasil”. Eduard de
Wilde, diretor do Stedelijk Museum, de Amsterdã, foi um dos primeiros a aderir ao boicote e a Holanda, o primeiro país a se retirar e o último a voltar ao Ibirapuera.

Enquanto o artista Quissak Júnior era ameaçado de prisão pela obra “Bandeira Nacional”, o americano Jásper Johns recebia o prêmio de pintura, com “Flags”, na mesma 9a Bienal de São Paulo

Fora dos muros da Bienal de São Paulo, os artistas também militavam. Em 1967, Nelson Leirner e Flávio Motta, com humor e críticas veladas, fazem grandes de bandeiras de tecido, impressas em serigrafia, com imagens de literatura de cordel, futebol e carnaval, e vendem no cruzamento av. Brasil com rua Augusta, em São Paulo. Ambos são confundidos com ambulantes e as bandeiras confis cadas. No mesmo ano, Antonio Henrique Amaral lança o álbum de xilogravuras O meu e o Seu, com forte sátira aos militares. A partir de 1968, com a edição do AI-5, artistas utilizam metáforas alusivas ao regime. Cláudio Tozzi, além do painel Guevara Vivo ou Morto, trabalha a série Parafusos, referência à dura realidade vivida pelos brasileiros na época. Em 1971, Tomoshige Kusuno, convidado da II Bienal de Antuérpia, é proibido de fotografar sua obra ambiental no gramado próximo ao pavilhão da Bienal, considerada pelos militares “ocupação de área de segurança nacional, pela proximidade ao quartel”.

S/T, Claudio Tozzi, 1971. Liquitex Sobre Duratex, 115x104cm

Apesar da marcação sob pressão, os artistas às vezes conseguiam driblar os censores. No Salão Nacional de 1971, o mais importante da época, Antonio Henrique Amaral, recebe o prêmio Viagem ao Exterior, com a série Brasiliana, telas de grande formato, com forte crítica ao regime, tendo bananas como tema. Regina Vater também recebe o mesmo prêmio com a série Nós, de 1972.

Quem viveu este período, com certeza, não quer ver a história se repetir, muito menos os artistas plásticos que, ao longo da história, são alvo constante de qualquer regime de exceção.

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