Por Anna Brady*, no The Art Newspaper
As galerias brasileiras são a maior delegação de expositores latino-americanos da Art Basel em Miami Beach, respondendo por 14 estandes – e as respostas à recente e controversa eleição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro podem ser sentidas em torno da cidade esta semana. O ex-capitão do Exército, que toma posse em janeiro, foi apelidado de “Trump dos trópicos”, e suas opiniões controversas e a aparente falta de uma política cultural causaram alarme no setor de arte do Brasil.
Mendes Wood DM, com sede em São Paulo, Bruxelas e Nova York, mostra pinturas recentes de Antonio Obá que respondem ao recente exílio auto-imposto do artista afro-brasileiro na Europa e nos EUA. Obá recebeu centenas de mensagens ameaçadoras depois de sua performance em 2015, Atos de Transfiguração: O Desaparecimento de uma Receita para um Santo, em que ele tritura uma estatueta da Virgem Maria e derrama sobre seu corpo nu. A performance foi compartilhada por grupos de extrema direita nas mídias sociais no ano passado. O diretor da galeria, Renato Silva, diz que Obá, nas pinturas, está “tentando ressuscitar o corpo e a mente que [a extrema direita] roubou dele”.
MUITOS INTELECTUAIS DE ESQUERDA ESTÃO USANDO SUA AGÊNCIA NA ARTE PARA EXPRESSAR SUA OPOSIÇÃO À SITUAÇÃO POLÍTICA. MAS QUEM SABE POR QUANTO TEMPO MAIS PODEREMOS FAZER ISSO?
– MATTHEW WOOD, DA GALERIA MENDES WOOD
O artista agora está sendo processado pelo estado por indecência moral pública e danos a um objeto religioso. “Dada a nomeação de Bolsonaro, provavelmente teremos que tirá-lo do país ”, conta o co-fundador da galeria, Matthew Wood. A Mendes Wood também exibe trabalhos de Sônia Gomes, a primeira mulher afro-brasileira viva a fazer uma exposição individual em um grande museu brasileiro (Still I Rise, Museu de Arte de São Paulo/MASP, até 10 de março). Wood diz: “Muitos intelectuais de esquerda estão usando sua agência na arte para expressar sua oposição à situação política. Mas quem sabe por quanto tempo mais poderemos fazer isso?”.
O artista brasileiro Marcius Galan, cuja obra está exposta na Galeria Luisa Strina na feira, diz que, embora seja muito cedo para conhecer as políticas de Bolsonaro, alguns planos, como o “fim do ministério da cultura” e “a criminalização do ativismo”, são preocupantes. Apontando para o encerramento de uma exposição dedicada à arte queer no Centro Cultural Santander em Porto Alegre em 2017 após protestos, Galan diz: “Eu acho que artistas são o maior risco para um sistema autoritário de governo, então hoje uma narrativa cruel está sendo construído para desmoralizar artistas”.
A ascensão divisora de Bolsonaro ecoa uma política cada vez mais polarizada em todo o mundo, desde a eleição do presidente Donald Trump nos EUA até o Brexit, o voto do Reino Unido para deixar a União Européia. “A população estava tão dividida – as famílias estavam brigando, as amizades estavam sendo destruídas”, diz Thiago Gomide, co-diretor da Bergamin & Gomide, outra galeria sediada em São Paulo que mostra a feira.
“Um pouco menos galerias brasileiras estão expondo em Miami este ano”, comenta Ariella Grubert, gerente de produção da Latitude – Plataforma de Galerias de Arte Brasileiras no Exterior. “Em 2017, apoiamos 16 galerias brasileiras na Art Basel em Miami Beach, mas este ano estamos apoiando 11. Acho que é porque é ano de eleições, há muita incerteza”, aponta Grubert. “Alguns artistas podem sair do Brasil por causa de Bolsonaro, mas outros estão pensando ‘este é meu país, e eu vou ficar’ – há um sentimento de resistência”.
*Publicado em 6 de dezembro no The Art Newspaper