Do encontro entre as pesquisas dos curadores Bitu Cassundé, Clarissa Diniz e Marcelo Campos nasceu uma grande vontade de realizar um projeto para uma exposição que reunisse obras que representassem o Nordeste do Brasil não em sua forma caricata, mas em sua totalidade, adentrando os imaginários em torno dele. O projeto para isso já tinha aproximadamente dez anos quando, há quase dois, foi aprovado pelo Sesc para ser realizado na unidade 24 de Maio. Assim, os três curadores passaram a realizar viagens por todos os estados que compõem a região nordeste para atualizar essas pesquisas. O resultado pode ser conferido agora na exposição À Nordeste, até 25 de agosto.
As viagens para atualização começaram no segundo semestre de 2018, contam Marcelo e Clarissa. Algumas delas foram feitas em trio, outras em dupla e outras apenas um deles conseguia realizar. “O projeto é a vitalidade da região, que nos mostrou outras coisas, e não só aquilo que já conhecíamos”, destaca Campos. Ele conta que as viagens coincidiram com um momento muito pulsante do Nordeste, por conta do cenário político das últimas eleições presidenciais. Isso fez com que a energia de novos artistas contemporâneos se sobressaísse de alguma forma. O momento foi muito importante também para que eles pudessem observar uma série de transformações ocorridas na região durante os últimos anos.
Os curadores estiveram atentos para que não caíssem em uma armadilha que é muito fácil de se escorregar quando se trata da região: a folclorizante: “Dizíamos que não era a nossa intenção fazer um retrato da região, nem um panorama. Em nenhum momento fizemos, por exemplo, uma estatística”, contou Marcelo. Desta forma, os curadores foram se deixando atravessar por assuntos que foram desencadeados, no fim, em núcleos da exposição. São eles: Futuro, Insurgência, (De)colonialidade, Trabalho, Natureza, Cidade, Desejo e Linguagem.
Ao mesmo tempo, a mostra não foi concebida de forma que fugisse dos preconceitos que são voltados à região e ao nordestino, de forma que mostrá-los é uma forma também de não normalizá-los: “Esses preconceitos são parte de uma experiência de estar à nordeste”, comenta Clarissa, explicando que o encontro é provocativo e atiça uma série de conceitos e preconceitos.
À Nordeste traz 275 obras de 160 artistas, entre elas trabalhos ilustres como Retirantes, de Cândido Portinari, que faz parte da coleção do MASP, e o Manto de Apresentação, de Arthur Bispo do Rosário. Artistas mais contemporâneos com trabalhos de peso, como Juliana Notari, que apresenta o vídeo Mimoso no setor Desejo, também se fazem muito presente na teia construída pelos curadores. Um dos destaques é a obra Memelito, do coletivo Saquinho de Lixo, que surgiu como uma página de memes nas redes sociais. O vídeo traz uma série de imagens conhecidas na internet. Também muito contemporânea, a obra Não é sobre sapatos, de Gabriel Mascaro, reflete sobre as questões em torno das manifestações que ocorrem no país nos últimos anos, pegando como ponto de discussão as manifestações de 2013, que iniciaram todo um processo mais latente de participação da população nos rumos do país. Para a mostra, foram comissionadas 12 obras inéditas, como A gente combinamos de não morrer (2019), de Jota Mombaça (capa desta edição). O comissionamento foi, segundo Marcelo, uma forma de quebrar a verticalização da arte. Além de Mombaça, artistas como Daniel Santiago (PE), Gê Vianna e Márcia Ribeiro (MA), Ton Bezerra (MA), Isabela Stampanoni (PE), Pêdra Costa (RN), Marie Carangi (PE) e Alcione Alves (PE) também realizaram novos trabalhos.
SESC 24 DE MAIO
Localizado em uma região muito central da cidade de São Paulo, onde passam milhares de migrantes e imigrantes por dia, o Sesc 24 de Maio traz um caráter geopolítico muito forte em suas raízes. A unidade foi inaugurada em 2017 e já sediou grandes exposições que celebraram aquilo que vem de fora de São Paulo, como Jamaica Jamaica, que se debruçou sobre a cultura e a política jamaicanas, e Lasar Segall: ensaio sobre a cor, que apresentou um grande apanhado de obras do artista lituano radicado no Brasil.
Assista ao vídeo sobre a exposição À Nordeste.
++MAIS
Leia crítica escrita por Aracy Amaral sobre a exposição, publicada na ARTE!Brasileiros 47.
Os curadores de À Nordeste escreveram resposta à crítica, confira aqui.