Uma Bienal mais horizontal, que privilegie o diálogo e não o pensamento único e que enfatize mais a fruição do que o discurso: esta é a ambição da 33a Bienal de São Paulo, que abre as portas para o público no dia 7 de setembro. Com tal intuito, algumas estratégias foram colocadas em prática. Diferentemente do que ocorre tradicionalmente com os curadores assistentes, em que o trabalho se dá de forma conjunta e sob a orientação do curador geral, foram convidados sete artistas curadores que tiveram ampla liber- dade para criar seus núcleos, sem interferência do grupo. Ao curador geral, Gabriel Pérez-Barreiro, coube – além da escolha desses sete parceiros, a seleção de 12 outros artistas que pontuam a exposição e a coordenação geral dos trabalhos. Para chegar aos nomes finais, os critérios foram bastante subjetivos. Pérez-Barreiro conhecia ape- nas dois deles, Waltercio Caldas e Alejandro Cesarco. Os outros cinco (Antonio Ballester Moreno; Claudia Fontes; Mamma Anderson e Sofia Borges) foram agregados ao grupo por qualidades variadas como a consistência do trabalho e a capacidade de aglutinar pensamentos e obras de outros artistas. O efeito surpresa é um dos grandes diferenciais desta edição da mostra. Em primeiro lugar porque os artistas- -curadores praticamente não interagiram e, em sua maioria, desconhecem o que os colegas conceberam. Em segundo porque tomou-se a decisão de divulgar muito pouco sobre a mostra. De maneira inédita, não foi divulgada este ano a lista completa dos artistas, os jornalistas não tiveram acesso ao Pavilhão em montagem e as sínteses apresentadas tanto na imprensa como nos meios oficiais de comunicação são excessivamente genéricas. Na entrevista abaixo, Pérez- -Barreiro fala sobre suas escolhas e estratégias.
ARTE!Brasileiros — Há uma grande diferença entre o planejado e o real?
PÉREZ-BARREIRO — Olha, seguimos o caminho que eu procurava, de abraçar esse processo aberto, diferente, de convidar os curadores e dar-lhes liberdade para conceber uma exposição. As surpresas são bem-vindas. Fazem parte do processo. Até porque tem muito artista que eu não conhecia. Acho muito positivo estar diante de uma bienal que, a princípio, não se limita aos meus conhecimentos, que são sempre parciais. Estou trabalhando com o desconhecido e com a confiança nos curadores. Acho que todos eles fizeram um bom trabalho.
Ao contrário de outras dinâmicas de curadores assistentes, ou curadores parceiros, eles também não sabem o que o outro está trazendo…
Eu procurei um pouco isso. Quando você está vendo o que seu vizinho está fazendo, isso te afeta. É normal. E eu queria que eles trabalhassem meio sem limites e sem se intimidar ou pensar que deve dar uma resposta ao que está acontecendo ao lado. Teríamos o risco de virar uma conversa, o que não era o plano.
Ou seja, você quer a personalidade de cada um dos blocos reforçada e não diluída?
Muito reforçada. E como escolhi artistas bem diferentes um do outro, eu não queria que eles ficassem nem tentando fazer uma leitura do outro. O trabalho deles é construir uma exposição. É construir o mundo. Quero que cada um faça o que precisa fazer, sem interferência, nem da curadoria geral nem dos outros curadores. E de fato isso foi assim e foi intencional. Não estamos construindo uma exposição única.
Você acha que o fato de você chegar numa exposição sem saber nada ou pouco sobre ela, te permite um acesso maior ao trabalho, ou o contrário?
São os dois. A Bienal tem esses dois públicos. Tem um publico muito menor, numericamente, que é aquele muito especializado. Na primeira semana vem para cá os grandes curadores do mundo, a gente conversa de uma forma muito codificada. E depois você tem essas outras 900 mil pessoas que não necessariamente têm alguma informação. Para mim esse público é prioridade. Pessoalmente acho que a arte é interessante quando ela foge, abre outras possibilidades. A leitura que o pessoal vai ter não será necessariamente a minha e eu gosto disso. Não acho que a minha visão seja tão brilhante que todo mundo tenha que sentir exatamente o que eu sinto. O desafio do nosso tempo é a diversidade. A gente ainda tem muita dificuldade de entender isso, a diversidade na subjetividade.
Como dar conta dessa diversidade? No setor educativo?
Também. E na curadoria. E na arquitetura. Eu acho que eles têm que caminhar juntos. O projeto arquitetônico do Álvaro Razuk tenta não enlouquecer a pessoa. Ele foi escolhido porque não se coloca como autor. Cada núcleo tem uma linguagem arquitetônica diferente. Eu acho que num prédio cansativo, dessas dimensões, é importante criar variação na experiência física, deixando lugar para sentar, conversar. Vamos abrir um café no segundo andar, na metade do percurso para dar uma descansada. A Bienal está criando um espaço para pensar. E acho que a arquitetura tem que dar conta disso. É um pouco difícil chegar numa síntese, mas a sensação é que trata-se de uma bienal um pouco mais delicada, mais rebaixada. Não há menção a nenhuma obra espetacular? No projeto tem áreas que são super intensas, de densidade quase insuportável, depois tem des- canso. O que não tem é o gesto para espetáculo. Não tem ninguém no vão, por exemplo. Isso por- que como não teria como garantir a autonomia dos projetos com uma coisa que atravessa três andares – num gesto meio fálico. Todo mundo teria que trabalhar com isso. Com relação a essa leitura global da Bienal, eu não consigo imaginar. Estou muito contaminado pelo que eu sei, mas me interessa muito esse tipo de conclusão do público. Estou muito curioso em relação ao olhar dos outros.
Você escolheu 12 artistas. É um conjunto com uma grande diversidade. Imagino que isso tenha sido proposital?
Foi. Porque no início, quando você fica colocando post-it na parede, eu me dizia que se fosse muito parecido iria um pouco em contra ao espírito da coisa. E eu quis muito, em toda a Bienal, também me desafiar. Quer dizer, não trazer muita coisa que eu já conhecia. Foram poucos aqueles com quem trabalhei neste grupo. A maioria é formada por pessoas ou que eu tinha admirado por muito tempo sem nunca conhecer, como a Vânia Mignone, por exemplo.
Você se preocupou com a presença brasileira de alguma forma? Nesse grupo a presença brasileira é um pouco maior.
Sim. Eu me coloquei cotas nas minhas escolhas dos curadores. Metade mulher, metade homem, diferentes idades, um terço brasileiro, um terço latino-americano, um terço o resto do mundo. Quer dizer, fiz esse exercício, mas eles tinham toda liberdade, então num determinado momento fiquei até preocupado que ia ter menos brasileiros, então nas minhas escolhas priorizei isso um pouco. É chato esse trabalho, mas eu sei onde estou pisando. Tem uma expectativa sobre isso e não quero obrigar o brasileiro a fazer uma representação brasileira. Já passamos esse momento histórico. Então no final, acho que vai estar bem perto da minha intenção original.
Cada um dos curadores escolhe uma questão que é de certa forma muito candente na produção contemporânea e que ecoa com suas próprias questões? Isso foi conversado?
Foi e não foi. Cada um deles seguiu uma metodologia diferente. Uma outra intenção secundária era que a Bienal fosse tipo uma aula de curadoria. Quem olhar com esse olhar vai ver que há sete metodologias curatoriais diferentes. Acho isso interessante porque a gente pensa muito a curadoria como uma coisa só. Vamos tentar colocar dois exemplos diferentes:o Waltercio escolhia a obra, a Wura escolhia a artista.
E o fato de os curadores serem também artistas? O diálogo se deu de forma diferente?
Acho que sim. Falando a pura verdade, sinto que cada um deles me inspirou. Isso é uma exposição que eu nunca conseguiria fazer. Acho que eles superam na capacidade de articular uma visão. Estou muito emocionado com o resultado e acho que nós, curadores profissionais, estamos acos- tumados a lidar com muita questão estratégica, pensando qual publico você vai atender fazendo isso ou aquilo. A Bienal me dá o luxo de ser surpre- endido. Essa liberdade de articular os interesses foi uma bela surpresa.