A associação entre práticas diversas de arte e a acurada pesquisa sobre a violência colonial perpetrada contra a cultura material e espiritual de matriz africana são aspectos marcantes da produção de Castiel Vitorino Brasileiro, autora de uma das instalações mais potentes da atual edição da Bienal. Montando a história da vida é, segundo ela, sobre a metamorfose da alma, apesar de partir de um dado histórico: a perseguição das religiões afrobrasileiras no país. Como uma unidade em que se condensa índices do cotidiano, a instalação assume a forma de um pedaço de terra indevassável, no qual repousam elementos reconfortantes e altamente arquetípicos como uma casa sem telhado (que a artista chama de museu e que abriga suas pinturas), troncos de eucalipto, uma canoa usada, vinda de Pirapora (MG), que traz as marcas do tempo, uma promessa de roça, alguidares – recipiente associado a diferentes culturas e muito fortemente a entidades de umbanda.
Ela se diz interessada pelas transmutações da vida e da matéria, em suas várias dimensões e expressas em contradições como a do eucalipto, que gera ao mesmo tempo óleos essenciais de cura e explorações de grande impacto ambiental. “Busco um tempo espiralado, entre tempo e construção”, explica Castiel, que também é mestre em psicologia clínica e medicinas africanas e recusa rótulos e qualquer tentativa de generalização ou categorização como artista negra ou trans. “Não somos cotistas”, provoca.
Ao contrário de outros trabalhos seus, como Quarto de cura (instalação que a destacou como uma das jovens promessas da arte brasileira dos últimos anos), desta vez Castiel não permitiu a entrada dos visitantes na instalação, querendo gerar essa sensação de interdito, forçando as pessoas a bisbilhotarem, a exercitarem uma coreografia pessoal em torno do terreno. Ainda receosa com o ambiente violento no país, ela optou por não apresentar performances durante a Bienal.
Mais jovem artista da Bienal, Castiel também está presente nas mostras Dos Brasis, em cartaz no Sesc Belenzinho, e Ensaio para o Museu das Origens, uma ação conjunta entre o Instituto Tomie Ohtake e o Itaú Cultural, duas exposições que dialogam intensamente com a proposta da Bienal. A artista deve realizar uma performance ainda este ano na Serpentine, em Londres. Parte desses trabalhos integra um projeto de longa duração que ela vem desenvolvendo, intitulado Kalunga: a origem das espécies, em que se contrapõe ao falocentrismo, a figuras como Freud e Darwin, e trata poética e plasticamente de mar; deslocamento e dor; morte, vida e prazer.