O espaço Pivô, sediado no ilustre edifício Copan, no centro de São Paulo, reforça cada vez mais seu compromisso em incentivar investigações e experimentos na arte, acolhendo artistas, curadores e pesquisadores em programas que oferecem. Um deles, o Pivô Pesquisa, se destina a residências oferecidas ao longo do ano a brasileiros ou estrangeiros emergentes, moldadas de acordo com o que busca cada um que se inscreve, com duração de aproximadamente três ou quatro meses cada.
Nos quase seis anos desde sua criação, participaram 145 artistas de 20 países diferentes, promovendo atividades que permitem importantes trocas entre os próprios participante, mas também com agentes externos, sejam eles críticos de arte ou o próprio público. Além disso, o programa dispõe de uma série de parcerias institucionais, que permitem intercâmbios valiosos, como com a CPPC (Colección Patricia Phelps de Cisneros), o British Council, o Matadero Madrid, o Centro Cultural São Paulo e a ArtRio.
Na primeira residência de 2018, participam 13 artistas. São eles: Adrián S. Bará, Anna Costa e Silva, Carolina Cordeiro, Carolina Maróstica, deco adjiman, Fernanda Feher, Gilson Rodrigues, Leandra Espírito Santo, Maya Weishof, Renan Marcondes, Rui Dias Monteiro, Tomaz Klotzel e Vanessa da Silva.
ARTE!Brasileiros conversou com a artista Fernanda Feher, nascida em São Paulo e que atualmente mora em Portugal, sobre a temática do projeto que desenvolve no Pivô:
ARTE!Brasileiros: Quando você decidiu que queria ser artista?
Fernanda Feher: Passei a adolescência desenhando e pintando, até que meu seu diretor de teatro me disse: “Você tem que estudar pintura”. Foi assim que sai do Brasil e estudei dez anos no PRATT Institute, no Brooklin, Nova Iorque, onde firmei minha vocação.
Porém, sempre fui idealista, ativista. Me envolvia no dia a dia com preocupações sociais e políticas. Na época, tinha a Fernanda pintora e a Fernanda ativista. Fazia trabalhos voluntários. Era uma divisão que me incomodava. Com o tempo criei o projeto “As mulheres de lá”, onde consegui sintetizar minha verdadeira vocação, trazer histórias para dentro da minha obra. Fiquei aliviada.
A!B: Como você criou este projeto?
Comecei a pesquisar a África e ver onde poderia colaborar. Fui primeiro para Tanzânia, numa escola de uma canadense que dava aula para mulheres adultas, com o objetivo de ajudá-las a criar independência de seus maridos ou de como se fortalecer individualmente e poder se independizar economicamente para poder trabalhar. Fiquei um mês e meio por lá.
Existem várias organizações com as que entrei em contato, uma delas baseada em Londres, Orchid, que me impressionou muito. Cuidam da questão da mutilação feminina no mundo inteiro.
Apresentei minha ideia original: viajar, entrevistar e pintar essas mulheres e utilizar a venda do trabalho para sustentar o trabalho da organização.
Assim, fui para o Quênia e, sem querer, para uma região próxima da Tanzânia.
O trabalho é muito difícil, porque a conscientização contra a mutilação genital esbarra com a questão cultural. Apesar disso ter sido banido pelo governo, as famílias tradicionais esperam as férias escolares para mandar as meninas todas, ao mesmo tempo, para fazer a mutilação. Para eles, a mutilação forma parte do “crescimento da mulher”. Algumas mulheres, não mutiladas, não conseguem casar ou sofrem bullying. A mutilação forma parte do “ser mulher”.
Ela acontece entre os 9 e 14 anos, no período em que a mulher começa a menstruar. O costume é tão arraigado que algumas famílias, hoje, fazem a mutilação no momento em que a menina nasce, como forma de driblar a lei, que agora proíbe.
Em outros casos a própria parteira, quando uma mulher não mutilada vai dar à luz, mutila a mulher no parto. Imagina o susto!
Trazer luz sobre este mito cultural impõe um trabalho seríssimo. Não pode banir e não dar o suporte à educação de porque a mutilação não seria necessária no desenvolvimento, e sim traumática. É extremamente complexo.
A!B: Você não nos contou essa história, mesmo assim fomos capturados pela sua obra mesmo sem ela ser literal. Pela força, pela cor. Como você explica isso?
Os meus retratos são de mulheres que discutem tudo isso. Algumas são mutiladas, outras são garotas que se acercaram das escolas onde estávamos para ouvir ou colaborar e dar aulas.
Eu tenho interesse em contar as histórias delas, sua força e alegria, e não necessariamente mostrar o lugar onde são vítimas. Quero tentar trazer na minha obra o outro lado. Eu gosto disso, delas se poder ver como um todo.
Acho que se eu pintasse vaginas mutiladas não estaria colaborando em nada com esse processo e talvez ninguém viesse me perguntar quem são essas mulheres…