Quase invisíveis de tão delicadas, as intervenções de Marco Maggi no Museu Brasileiro de Escultura têm uma força visual e uma potência poética impressionantes. Na contramão do que ocorre com frequência nos tempos atuais, em que as obras parecem gritar para atrair o público, as pequenas construções de Maggi apenas sussurram e convidam gentilmente a nossa atenção.
O visitante desavisado, que se depara logo à entrada com dúzias de resmas de papel da mesma altura (sempre 500 folhas, tamanho A4), organizadamente dispostas no chão, vai ficar intrigado. Só aos poucos vai perceber a diferença que existe entre coisas aparentemente similares. As pilhas são idênticas e aparentemente banais. Mas para além da regularidade, elas servem de suporte – como se fossem pedestais – para paisagens crespas, vibrantes, formadas por pequenos cortes, dobraduras, delicadezas, como arcos extremamente finos que se soltaram do lugar de origem para se lançar-se no espaço.
É preciso tempo para atender ao convite de uma observação atenta. A mesma desaceleração do ritmo e o mesmo movimento de recuo e aproximação é exigido nos outros trabalhos dessa pequena porém potente antologia. Todos eles lidam com o que o curador Cauê Alves definiu como “materialidade da ideia”. Questões como escala, profundidade, contraste entre luz e sombra fazem parte do repertório de Maggi. Dois aspectos, porém, chamam especial atenção nesta mostra: o instigante diálogo criado com a arquitetura, enfatizado por sua relação com o conciso do museu feito por Paulo Mendes da Rocha e, o jogo que ele propõe com escalas e invisibilidades.
A mão delicada, o olho atento e o gesto preciso do artista uruguaio fazem com que elementos banais como papéis em branco ou envelopes coloridos adquiram potência no espaço. Muitas das construções de Maggi se assemelham a maquetes. Parecem projetos utópicos de plantas urbanas vistas do alto. Diante de “Assunto pendente”, obra composta por dois rolos em cascata, com mais de mil etiquetas amarelas, que servem de suporte para intervenções com pequeninos pedaços de papel autocolante nas cores branco, cinza e negro, ficamos na dúvida se estamos diante de um jogo abstrato, de placas internas de um estranho computador ou de plantas aéreas de uma cidade fictícia. “Tese” também tem esse efeito perturbador. Ao colar sobre uma simples bolinha de ping-pong uma trama sugestiva de padrões regulares que apontam tanto para um futurismo utópico como para uma abstração arqueológica, Maggi contrapõe imaginários distintos e dá a esfera mínima uma potência planetária.
Mestre da contraposição – seja entre ideia e gesto, passado e futuro, o minúsculo e o imensamente grande –, Maggi realiza nessa exposição um contraste profundamente instigante entre duas formas de ver seu próprio trabalho. Em duas esquinas próximas, porém opostas, do espaço expositivo, foram dispostos dois trabalhos intimamente conectados. Na primeira delas o visitante é surpreendido com um vídeo, intitulado “Linguagem em Residência”, filmado por ocasião da participação do artista como representante do Uruguai no 56ª Bienal de Veneza. No trabalho, feito em parceria com Maria Ines Arrillaga, vemos uma sucessão de visitantes num espaço expositivo. Eles entram, olham, conversam, fazem registros, se aproximam e se afastam com uma fisionomia ora perplexa, ora encantada. Nada surpreendente não fosse o fato de nós, espectadores do vídeo, vermos apenas uma parede branca. A obra de Maggi simplesmente desaparece para o vídeo, tal é sua delicadeza e capacidade de se revelar apenas aos poucos, dentro de uma intimidade física, epidérmica.
Na esquina oposta o visitante descobre finalmente aquilo que o vídeo, ou melhor a distância da tomada, tiveram “a amabilidade de apagar”, como diz o artista. Milhares de papeizinhos recortados com vagar e cuidado repousam sobre a parede, compõem pequenos nichos, contaminam as superfícies com sua suavidade. Trata-se de um grande plano, formado por uma sucessão de pequenos jogos, metáforas e equilíbrios sedutores, como o pequeno gancho em papel que segura um finíssimo aro, que dança no espaço como um pequeno móbile de Calder, projetando sua sombra distorcida sobre a parede. Intitulada “Miopia Global (parágrafo no canto)”, a obra (que deriva da instalação feita para Veneza), funciona como uma caligrafia sutil, que exige entrega, que intriga e ao mesmo tempo seduz nosso olhar cada dia mais míope.