O novo prédio da Pinacoteca do Estado, mais novo espaço cultural da cidade de São Paulo, ecoa o momento mais auspicioso para a cultura no país. Ao abrir-se para o Parque da Luz e agregar novas salas de exposição, biblioteca, ateliês educativos, centro de documentação e infraestrutura de lazer, o local inaugurado no início de março pretende incrementar as possibilidades de ação da instituição já centenária – que agora ganha um núcleo vocacionado ao contemporâneo. E reafirma física e simbolicamente a importância de uma ação voltada para o espaço público, incorporando novas formas de pensamento e ação artística e enfrentando o desafio de abrir-se para além do mundo restrito dos conhecedores da arte.
Projetada pelo escritório Arquitetos Associados, a construção é bastante sóbria e integrada com o espaço circundante. A inexistência de catracas, a centralidade de todo o edifício ao redor de uma praça pública acessível a todos os visitantes do parque e uma grade de exposições bastante diversa são alguns dos pilares fundamentais desse projeto, que ambiciona receber até um milhão de visitantes por ano.
Tem por base uma antiga escola, transferida para instalações mais modernas na região. Em termos construtivos, a parte mais ambiciosa é a enorme sala expositiva subterrânea, escavada sob uma praça central. Estratégia que garante ao museu uma maior versatilidade, sem ter que driblar as limitações de suas outras duas unidades, a sede da Luz e o espaço da Estação Pinacoteca, cujas plantas mais antigas são mais fragmentadas e com várias subdivisões internas. Com uma área de mil metros quadrados, essa grande galeria permitiu exibir simultaneamente um conjunto importante de trabalhos que entraram nas últimas décadas no acervo e que – por sua dimensão ou complexidade – acabaram sendo pouco mostrados. Como um grande encontro, mescla-se na exposição inaugural, intitulada Chão da Praça, um conjunto bastante diverso de poéticas, técnicas e experimentações, reafirmando o caráter díspar e experimental da produção contemporânea.
Está sendo exibida pela primeira vez, por exemplo, a instalação Ttéia, uma obra maior de Lygia Pape. A versão que a Pinacoteca possui é diferente daquela mais conhecida, em exposição em Inhotim, e foi agregada ao acervo junto com o comodato da Coleção Roger Wright. Outra obra importante do acervo, que já conta com cerca de 11 mil obras entre históricas e contemporâneas, é Parede da Memória, de Rosana Paulino, um trabalho composto por 1500 patuás, confeccionados um a um pela artista, e que compõem um potente painel sobre a força, tradição e poesia da negritude no país. Sinalizando o interesse em promover uma costura cada vez maior entre exterior e interior, a mostra também trouxe para dentro do espaço museológico uma das esculturas que a Pinacoteca mantém no Parque da Luz, o grande colar de contas agigantadas de cerâmicas, feito especialmente por Lygia Reinach para este projeto de esculturas ao ar livre.
Dentre as muitas camadas trabalhadas pela mostra, cuja curadoria é assinada por Ana Maria Maia e Yuri Quevedo, destaca-se a dimensão do afeto e das relações entre artistas e o museu. De forma mais explicita temos a vizinhança da instituição servindo de tema para trabalhos ali representados, como na série fotográfica de Cristiano Mascaro, na aquarela de Djanira feita no Parque da Luz, ou ainda nas imagens que Hudinilson fez do próprio corpo quando foi laboratorista e operador da máquina de xerox da instituição. Mas há também vizinhanças e afetos mais intangíveis, com toques de memória e conexões do campo afetivo, como o majestoso painel de autoria de Emanoel Araújo, morto ano passado, que foi responsável pela modernização e renovação da instituição na década de 1990, e dos primeiros a sonhar com sua expansão para além dos limites de sua sede, incorporando outros espaços no entorno. Ambição que seguiu acompanhando vários dos diretores subsequentes, como Ivo Mesquita e Tadeu Chiarelli, até tornar-se viável com a desativação e transferência da escola para o museu.
Além da grande e versátil sala subterrânea, que depois de Chão da Praça receberá uma mostra da artista multimídia chinesa Cao Fei, um segundo espaço expositivo foi instalado nas antigas salas da Escola Prudente de Morais. Ambiente menor, mais intimista, e mantendo remissões à arquitetura do passado (com a preservação de delicadas divisórias em ferro trabalhado, que datam da época do primeiro projeto, concebido ainda no século 19 por Ramos de Azevedo), abriga agora uma série de obras da sul-coreana Haegue Yang. A artista, que já esteve na 27ª Bienal de São Paulo, apresenta um trabalho que, na opinião do diretor da Pinacoteca, Jochen Volz, ecoam também na produção nacional, como o uso de materiais industrialmente produzidos ou o deslocamento de significados. “É importante mexer um pouco nas nossas referências”, afirma.
A inauguração do novo prédio permitirá, além de dar maior ênfase às manifestações públicas e colocar em destaque o acervo próprio do museu, reafirmar um dos focos de atenção da gestão de Volz: a necessidade de repensar atentamente sua programação. “Temos que pensar qual história da arte a gente quer contar e qual a gente não contou recentemente”, explica ele, lembrando que até dez anos atrás as mostras que chegavam até nós eram, quase exclusivamente, de homens brancos europeus. Pensar a arte internacional e a produção nacional em sintonia e abrir espaço para poéticas que ainda não encontram espaço igualitário nos museus está entre as balizas que nortearão as ações da instituição, que já prepara uma agenda intensa e diversa para seus três espaços, com nomes que vão de Chico da Silva e Denilson Baniwa (já em cartaz na Pina Luz) a Sônia Gomes e Marta Minujín, programadas para 2024. ✱