*Por Diana Wechsler
Pensar a arte, “além da arte” hoje, implica em se perguntar novamente sobre seus alcances e seus limites e, nesse caminho poder sustentar – hipotética e temporariamente – sempre, a consideração de que, de alguma forma, todo é arte ou não é.
Lembremos que o conceito de arte está inscrito histórica e culturalmente de forma precisa e que falar de “arte” hoje implica em se remeter, a priori, a considerações do Século XIX, que consideravam e incluíam dentro do conceito de ”arte” variáveis ligdas a necessidades representativas, mágico-religiosas, ornamentais, etc.
É certo que esta noção continua vigente em nossos dias e continua sendo eficaz, independentemente das suas limitações, para nomear certo tipo de imagens, objetos e atos. Justamente no momento em que a noção de arte se estabelecia, a historia da arte aparecia também como uma disciplina científica capaz de ordenar e pensar o sistema das imagens no ocidente europeu.
A partir daqui começamos a nos perguntar, em que medida, esta disciplina, formulada desta forma, teria condições de dar conta da diversidade da produção simbólica global, compreendida dentro da noção de “arte” e, ainda mais, dentro dos processos artísticos contemporâneos.
A expansão do seu campo de ação tem sido crescente. Nos últimos 40 anos, tanto os estudos dedicados as artes visuais, como varias das perspectivas interligadas -a sociologia cultural, a antropologia, a filosofia e a historia- contribuíram para ampliar o pensamento crítico e o repertório de objetos a considerar.
Deixando sempre o debate aberto, tal vez seja necessário estabelecer alguns novos parâmetros. Situarmos a mirada e o imaginário em outro lugar, resignificar a apreensão de formas e imagens e como elas se constituem, de forma não só a ordená- las pensando desde a lógica de um “sistema”, e sim desde um lugar entrópico, procurando acompanhar seu des-orden, identificando e associando múltiplos vectores. Dado que o âmbito da produção contemporânea se expandiu – definitivamente os artistas estão cada vez mais impactados pelas esferas social, política, ambiental e procuram interferir/intervir de alguma forma- as produções simbólicas também precisaram ampliar sua caixa de ferramentas teórico-críticas, na busca de captar tanto as dimensões poéticas como sua complexidade e com elas dialogar com diferentes públicos.
Por outro lado existe a lógica do mercado que, insistentemente busca definir cidadanias e a cultura, precisamente o espaço da arte não é alheio a isto. Neste sentido, uma produção contemporânea com aspirações de incidir além dos espaços que lhe seriam naturalmente adjudicados, a lógica de obra única, de “cubo branco”, de aspiração museológica, contribui com o trabalho de emancipação do pensamento.
É a partir destas considerações que os formatos – de arte e para a arte – em que se insere a arte contemporânea demandam uma revisão e um replanejamento das relações entre os atores, os projetos e os espaços do “sistema da arte”: de artistas a curadores, críticos, colecionistas, até instituições – museus, centros, galerias, residências, centros de formação.
Neste sentido, o sociólogo Aníbal Jozami e eu pensamos criar uma plataforma, BIENALSUR que pense, além do sistema, procurando traçar outras vias para atravessa- lo. Criando regras que pudessem enriquecer (o sistema?) um pouco arrogante? Um cruze desde a sociologia e das relações internacionais e a partir de estudos culturais, junto a outras disciplinas, que permitisse analisar formas específicas e conhecidas dentro do sistema e repactuá-las, sem fugir de certas marcas da ordem geopolítica global.
Decidimos trabalhar então, com alguns dos instrumentos já desenhados para representar o mundo: os mapas – instrumentos de ordem e controle de territórios – E, como forma de representar um dos aspectos marcantes de BIENALSUR, escolhemos um mapa cuja “Rosa dos Ventos” orienta, provocadoramente, onde se estiver colocado, ao SUL.
Pensar desde o SUL, não se remete somente aquela obra de Joaquím Torres García, e sim, um SUL global. Não se trata de uma questão geográfica e sim de uma tentativa de mudança do ponto de vista. Uma tentativa de “fazer girar nosso pensamento”. Podemos estar BIENALSUR, em São Paulo, Buenos Aires, Johannesburgo, Tokyo ou em Madrid o Svalbard.
Uma cartografia sem limites políticos, que presenta simultâneamente cidades-sedes de projetos artísticos escolhidos, por um conselho de especialistas, dentre uma vasta apresentação. A partir de uma convocatória aberta. Essa cartografia, longe de estabelecer fronteiras, propõe convivências. Coloca par a par, museus, escolas, espaços públicos, pequenas instituições. Estabelece convergência de temas e artistas de origens, formações e gerações variadas em exposições pensadas a partir dos projetos enviados pelos artistas, invertendo assim, a dinâmica habitual.
Este projeto que pensa criticamente os parâmetros instituídos nos permite refletir sobre as “bordas” que determinam hoje os contornos ou limites da arte. Desde onde enxergamos e como, o que fica fora ou dentro do nosso olhar, mais ainda quando exercemos um olhar crítico. Uma proposta indisciplinada é condição para expandir, desde o olhar artístico, os limites do pensamento para a emergência de um humanismo contemporâneo.
*Diana Wechsler é historiadora de arte, pesquisadora, diretora da área de cultura da UNTREF e diretora artística da BIENALSUR