Escrevo este texto fora de São Paulo, onde estou passando a pandemia, um tanto abismado com as imagens nas redes sociais da reabertura das instituições de arte na capital.
Muitos artistas, intelectuais, curadores e até galeristas escreveram nos últimos meses que após esse momento o sistema da arte precisaria mudar, que chegava o momento de desacelerar o circuito, que era hora de se atentar para novas questões que se impunham dentro do contexto de crise sanitária.
Nas imagens que vejo, nada mudou. Seguem as mostras que estavam em processo de montagem no mês de março, às vésperas da abertura da feira SP-Arte, um ponto de inflexão no calendário de museus e galerias, quando a tendência ao espetáculo e à opulência costuma crescer sem pruridos.
Passaram-se sete meses e minha questão é: faz sentido a reabertura dos museus sem algum tipo de reflexão sobre essa pausa forçada? Afinal, durante esse período nada menos que 150 mil mortes ocorreram e seguem ocorrendo no país pela falta de um governo sensato, a Amazônia e o Pantanal estão em processo de destruição, negras e negros estão sendo assassinados brutalmente e manifestações contundentes sendo realizadas pelo mundo afora, e o fascismo cresce em popularidade no país.
Nesse contexto, as instituições de arte reabrem como se nada estivesse acontecendo e mantêm a mesma programação de março de 2020? Esses sete meses nos perpassaram como anos e suas consequências ainda são difíceis de prever, mas além do óbvio cuidado com higiene e formas de evitar a contaminação, essas instituições não conseguem ir além de “o espetáculo precisa continuar”?
Amigos que foram ver as mostras em cartaz, testemunharam que não há – seja na Pinacoteca, no Museu de Arte Moderna de SP ou no MASP, por exemplo – nenhum tipo de posicionamento sobre o momento atual. A lógica do cubo branco, que isolou o espaço expositivo do mundo ao redor, teria agora sido incorporada como política institucional de negacionismo do contexto?
Durante o VI Seminário Internacional que ARTE!Brasileiros organizou no início de outubro, totalmente pensado frente às questões urgentes deste tempo difícil, Ailton Krenak foi direto em um recado ao circuito da arte: “É como se a ideia das nossas bienais de arte, das nossas galerias estivessem todas ficado no passado, vencidas pelo tempo, pela urgência de uma nova mentalidade, de nós os humanos aprendermos a pisar com cuidado, a pisar suavemente na Terra profundamente marcadas pelas nossas pegadas, que nos puseram no limiar desse Antropoceno.”
Onde está a sensibilidade das gestões desses museus para encarar uma nova mentalidade?