A tradicionalíssima Festa Literária Internacional de Paraty, no estado do Rio de Janeiro, que este ano ocorre entre os dias 10 e 14 de julho, nunca deixou de se reinventar e de explorar novidades para compor suas estruturas. Esta será a 17a edição do evento e tem curadoria da jornalista e editora Fernanda Diamant, uma das criadoras da revista Quatro Cinco Um, especializada em literatura. O homenageado da vez é o escritor e jornalista carioca Euclides da Cunha (1866-1909), autor do aclamado livro Os Sertões, considerado por muitos uma obra que inicia o jornalismo literário no país, muito antes do termo existir.
Dentre as transições e as novidades, a organização da Flip, que tem direção geral de Mauro Munhoz, anunciou um desejo de fomentar o desenvolvimento de atividades ligadas às artes visuais no itinerário do evento, para além daquilo que já acontece espontaneamente pela cidade. É desta forma que foi apresentado o projeto Terra Nova, um módulo de artes visuais que pretende realizar intervenções que se integrem de certa forma à Paraty: “Desde o começo, a Flip tem a intersecção entre as artes em seu DNA. Ano após ano, fomos construindo uma aproximação entre diferentes experiências artísticas, inclusive as artes visuais. Agora, sentimos a necessidade de fazer essa relação se manifestar de maneira mais visível. O Terra Nova é um dispositivo artístico para iluminar questões que permeiam o território da cidade, seus moradores e seus visitantes. Uma das missões da Flip é investigar como a arte pode ajudar a qualificar o olhar das pessoas para as relações humanas produzidas em espaços públicos, e o Terra Nova vai propor mecanismos de percepção deste território e de suas complexidades através da arte”, disse Mauro à ARTE!Brasileiros.
O projeto foi lançado no início de junho durante evento na Casa do Parque, em São Paulo, onde foi apresentado o programa de patronos especialmente desenvolvido para essa iniciativa. O plano de mecenato é voltado a pessoas físicas e é a forma principal e exclusiva de viabilizar essa ideia. As pessoas que desejarem contribuir com o projeto terão alguns benefícios como ingressos, acesso preferencial à programação principal da Flip que ocorre no Auditório da Matriz, convites para outros eventos realizados pela organização da feira e obras exclusivas de Laura Vinci, artista confirmada para participar da primeira intervenção do Terra Nova.
Convidada pela curadora, Vinci irá apresentar a sua instalação No Ar, apresentada pela última vez em 2017, no MuBE, em São Paulo, e que já passou por diversos lugares, inclusive por alguns países na Europa. Outras intervenções ainda estão sendo discutidas por questões de viabilização orçamentária, até mesmo por isso a apresentação do programa de patronos foi crucial para que tudo começasse a ser estabelecido.
A escolha de No Ar para integrar a estreia do projeto foi discutida entre a artista e a curadora: “É um trabalho que tem essa caraterística de se adaptar muito, ele se reinventa no lugar. Ele é um trabalho que é bruma, é só vapor. Então ele se adere fácil à situação espacial. Tem trabalhos que exigem espacialidades específicas e o No Ar não, ele só precisa de água”, conta a artista. A fluidez do vapor na obra de Laura faz com que o público possa descobrir formas diversas nas variações que a fumaça cria no espaço, além da característica do trabalho em si transformar o local onde está.
Sobre a interdisciplinaridade que permeia a Flip e a proposta de inserir as artes de maneira mais pontual, Laura não tem dúvidas de que é o país vive um momento em que colaboração entre as áreas é algo necessário: “Isso é uma coisa muito importante para nós, ampliar isso e fortificar essas relações”, ela diz. Para ela, existem algumas áreas que se vinculam de forma mais pontual e forte com a literatura, como o cinema. “Nas artes visuais isso não é tão claro, mas acho que a gente pode começar a achar esses encontros”, ela comenta ao citar como exemplo dessa confluência a sua obra Máquina do Mundo, que se debruça sobre um poema de Carlos Drummond de Andrade.
O poema também é ponto de partida para outra intervenção que será realizada na Flip: Máquinas do Mundo, uma performance do núcleo de arte da mundana companhia de teatro, do qual Laura faz parte junto a Roberto Audio, Flora Belloti, Yghor Boy, Guilherme Calzavara, Beatriz Camelo, Diogo Costa, Alessandra Domingues, Wellington Duarte, Ivan Garro, Luah Guimarães, Flora Kountouriotis, Cesar Lopes, Renato Mangolin, Rafael Matede, Mariano Mattos Martins, Diego Moschkovich, Rogério Pinto, Joana Porto, Tarina Quelho, Roberta Schioppa, Marília Teixeira e José Miguel Wisnik. A iniciativa tem como proposta “diminuir a distância entre narrativa e arte visual, entre a instalação e a ação de atores”.
Artes visuais no Auditório da Matriz
Na programação mais disputada da Flip, que acontece em um auditório montado dentro da Igreja Matriz da cidade de Paraty, as artes visuais também estarão presentes em diversos formatos. Na quinta, 11 de julho, a fotógrafa Maureen Bissiliat será entrevistada por Miguel de Castillo e Rita Palmeira na mesa 6, intitulada Serra Grande. A fotógrafa inglesa radicada no Brasil dedicou-se ao encontro entre a palavra, a imagem e a geografia ao longo de sua trajetória, conhecida especialmente por seus trabalhos com os povos do Xingu.
Na mesa 12, Mata de Corda, a artista Grada Kilomba é interrogada por Kalaf Epalanga e Lilia Schwarcz sobre as questões que rondam seu livro Memórias da Plantação, a ser lançado durante o evento pela editora Cobogó. Nele, a artista discute temas como raça, classe, gênero e pós-colonialismo, já muito presentes em sua obra. Em seguida, na mesa 13, Ailton Krenak e José Celso Martinez Correa conversam sobre a valorização da cultura, terras férteis para a arte e a diversidade, com mediação de Camila Mota. As atividades ocorrem no dia 12 de julho e, no dia seguinte, mesas com Ismail Xavier, Miguel Gomes, Grace Passô, Marina Person e José Miguel Wisnik também trarão as artes visuais à feira em suas discussões em torno de cinema, dramaturgia, arte e literatura.