Berna Reale, na performance Americano, de 2013.

“Não vi arte no espaço carcerário. Vi um problema social, humano, e por esse motivo pensei em fazer um trabalho de arte para refletir sobre essas questões”,

É desta forma que a artista Berna Reale descreve como começou a conectar a arte que faz com o trabalho de perita no estado do Pará. Nascida em Belém no ano de 1956, Berna formou-se em Arte na Universidade Federal do Pará, mas há oito anos também trabalha no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, na capital.

Artista antes de se tornar perita, Berna reconhece a carga trazida para sua arte com o novo ofício: “A perícia que influenciou a arte que eu fazia. Hoje tenho um olhar mais focado em problemas sociais mais do que antes”, comenta. A artista cresceu no norte do país, região que nos últimos anos tem registrado diversos casos que trazem à tona a precariedade do sistema carcerário: “Pelo que vejo ainda temos um longo caminho para que o problema carcerário se resolva, pois a fonte do problema não está nas prisões, não está entre muros, e sim fora deles”, afirma Berna. Para ela, isso era algo que iria estourar em breve.

Apesar da violência ter se enraizado em seu trabalho artístico desde que o trabalho como agente pública começou, também aborda em suas performances, fotografias e instalações outros problemas sociais e políticos que invadem o País. Afinal, Berna acredita que o problema da violência não existe por si só, mas é, sim, um conjunto de calamidades: “Enquanto a educação não for a base e a estrutura social, nada vai mudar. Enquanto não tiver alimentação e saúde básica para a grande maioria da população, vamos continuar enxugando gelo e assistindo rebeliões”. Muitas vezes, confessa, se assustou ao ir trabalhar com cenas de crimes cometidos dentro de presídios, tamanha a brutalidade: “Não é possível que ninguém veja, que ninguém se incomode, que ninguém resolva”, pensava ao sair de locais assim.

 

Berna Reale, ‘Quando Todos Calam’, 2009.

Ter sido artista antes de perita ajudou Berna a olhar com mais sensibilidade para cenas de crimes, enxergando minuciosidades que transpõe para a arte. O que para muitos poderia ser horrorizante, para Berna também não deixa de ser, mas também se torna um material a ser transformado com o repertório que ela traz. A arte e a perícia, então, se encontram e a artista faz com que o público reflita, muitas vezes com choque, sobre uma realidade muitas vezes pode parecer distante: “A perícia fez com que eu conhecesse a miséria humana, antes eu conhecia a pobreza mas não a miséria”.

A emoção também é parte de tudo o que se relaciona a seu fazer artístico. Mas foi ao realizar uma performance no complexo penitenciário de Santa Izabel, onde no último mês ocorreu uma tentativa de fuga em massa que assustou a região, que Berna encontrou o ápice da comoção. “Um lugar escuro e com uma energia parada, pesada . Uma pessoa aprisionada é uma energia parada carregando seu peso absoluto”, disse.

Naquela ocasião, realizou a performance Americano, percorrendo os corredores escuros da penitenciária com uma tocha. Ela só foi autorizada a entrar na área onde os prisioneiros foram detidos no dia da performance: “Quando sai dali a tristeza me acompanhou por um longo período, pois eu saia e eles continuavam ali em uma vida não-humana”. Berna pontua, ainda, que ver a rebelião ocorrer ali anos depois da realização de sua performance a faz “acreditar que o artista tem as vezes um sentimento anterior”.

Não é fácil para ela, apesar da longa trajetória nas artes (incluindo uma Bienal de Veneza), lidar com essas questões: “Transpor pra arte esses problemas é o desafio do artista. Eu procuro estudar os elementos conceituais e estéticos que estão inseridos no cenário que o problema social está acontecendo, assim fiz em Americano”, conclui.

No momento, a artista trabalha em três projetos: uma performance na rua que se baseia no encarceiramento, fotografias e instalações sobre a miséria humana e um projeto que desvia de tudo o que já fez no quesito performance. Sobre este último, ela confessa, bem humorada: “Espero não desistir de fazer, pois é um enorme desafio e, às vezes, me pergunto se não é um delírio”. Apesar da dificuldade, se mostra otimista: “Mas não sou uma artista que quer estar numa zona de conforto e pra isso tenho que correr riscos”, conclui.

Deixe um comentário

Por favor, escreva um comentário
Por favor, escreva seu nome