Mergulhados em um país à deriva, envolto na mentira e no cinismo, com mais de 2 mil mortes diárias e sem políticas decentes de proteção à população, descobrimos que o que nos permite estar em pé é possuir uma ética capaz de almejar um mundo melhor.
Todas as matérias desta edição mostram a pincelada singular que artistas e gestores jovens, fotógrafos, críticos e acadêmicos imprimem ao seu trabalho tentando superar o sofrimento e, através de iniciativas sensíveis, compreender o humano.
Há também uma leitura do passado, como no redescobrimento da obra de Glauco Rodrigues, onde suas imagens “transcendem as especificidades de sua época, forma ou conteúdo para abordar o presente de maneira inquietante”. Esta frase, dita pelo crítico Peter Eleey a respeito da exposição September 11, realizada no MOMA PS 1 (Nova York), é lembrada pelo filósofo Hal Foster em seu último livro, O que vem depois da Farsa. O crítico se referia a como imagens da fotógrafa Diane Arbus, de 1956, ali expostas, eram ressignificadas para o espectador quase 50 anos depois, após os acontecimentos da derrubada das Torres Gêmeas.
Aliás, o livro de Foster, comentado nesta edição por Fabio Cypriano, crítico de arte e jornalista, traça um panorama sobre os aspectos sombrios e as reações de artistas e instituições culturais a “um mundo que nos fugiu de controle”, onde “nada está garantido”. Ainda assim ele formula uma reflexão fundamental que nos convoca a ir em frente: “É aqui que meu outro termo ‘debacle’ entra em cena [o autor faz referência ao termo chave do livro, ‘farsa’]. Também deriva do francês ‘queda, colapso, desastre’ mas sua raiz é débâcler, ‘libertar’. Debacle poderia inclusive indicar uma dialética entre romper e fazer diferente em relação a convenções, instituições e leis. Tal é a oportunidade no período presente de convulsão política: transformar a emergência disruptiva em mudança estrutural, ou pelo menos, pressionar as brechas na ordem social em que é possível resistir ao poder e reelabora-lo.”
Como resposta a esta ambígua disrupção, resolvemos investir numa divisão de arte✱formação. Um Programa de Extensão Cultural de ensino a distância onde, com especialistas e professores renomados, possamos, além de informar, sistematizar conceitos fundantes da arte em conversa permanente com outras disciplinas como a psicanálise, a filosofia, a história e a ciência. O lançamento acontece em abril com o primeiro curso, ministrado pelo curador e pesquisador Moacir dos Anjos e pelo filósofo e professor Ernani Chaves. Serão 36 horas em 16 encontros ao longo dos meses de abril, maio e junho (saiba mais sobre o curso).
No atual contexto, é possível ver uma única vantagem em tanto tempo de isolamento. Tivemos acesso à tecnologia de forma a torná-la menos uma vilã e mais uma ferramenta de apoio na solidão, para podermos manter contato com os amigos, as equipes de trabalho, poder ver mostras virtualmente e ouvir palestras e debates e acesso a uma educação permanente.
Se há um espaço onde a mentira não se sustenta e podemos exercer nossa influência, é na arte e na cultura.