Vivenciamos, de 15 anos para cá, uma importante mobilização pública, internacional, em defesa de lutas anti-hegemônicas, para a conscientização e profunda compreensão da existência de um racismo estrutural e a necessidade de sua definitiva abolição; para a defesa e o respeito à escolha ou mudança de gênero; a defesa do reconhecimento dos povos originários, aqueles que, no caso da maioria dos países colonizados foram usurpados de suas terras, culturas e religião. É fato que este movimento obrigou a que governos e instituições de países colonizadores começassem a se reposicionar sobre os espólios retirados de suas ex-colônias. Inúmero/as pesquisadores, como Anne Lafont, Bénédicte Savoy e, Felwine Sarr estudaram especialmente o perverso apagamento de mulheres e homens negros em obras exibidas em museus europeus e americanos, assim como lançaram luz sobre a necessidade de devolver obras usurpadas ao longo de anos aos países de origem, com o propósito de rever políticas de relacionamento e ética internacional. A maioria das matérias e dos artigos desta edição reflete o impacto deste debate e a importância que alcançou.
arte!brasileiros acompanha, desde seu lugar de atuação, de forma genuína, todo este movimento, e vem realizando uma serie de encontros internacionais. Dentre os mais recentes, aquele organizado em 2021, o VI Seminário; Em Defesa da Cultura e da Natureza, em parceria com o Goethe Institut, e, no ano passado, o VII Seminário Internacional: Cultura, Democracia e Reparação, junto ao Sesc SP.
Aprofundano-nos no debate, lançamos agora o I Seminário Latino-americano: Relatos, memória e reparação, que tem por objetivo dar início a uma efetiva troca de reflexões sobre a nossa história colonial como continente e que pretende debater o impacto que essas novas narrativas contra-hegemônicas têm tido no sistema da cultura e da arte contemporânea em diferentes partes do mundo e, mais especificamente, na América Latina.
Desta vez em parceria com BIENALSUR23, a Bienal Internacional de Arte Contemporânea do Sul, nascida na cidade de Buenos Aires, Argentina, que em sua quarta edição inaugura várias mostras em diferentes cidades do país, a arte!brasileiros abre mais um espaço na busca por diluir fronteiras, e se junta, com parte da sua equipe, a renomados curadores, acadêmicos, artistas, historiadores e profissionais da cultura, de diferentes partes da América Latina e da Europa para apresentar, durante os dias 3 e 4 de agosto de 2023, entre as 18h e 21h, em quatro mesas, questões sobre democracia e reparação, a decolonização na prática, o lugar do relato, da memória, as narrativas, a ficção e o real.
O encontro, que se realizará no Auditorio Sede Rectorado Juncal de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), Juncal 1319, Ciudad de Buenos Aires, Argentina, receberá a catedrática de História da Arte Moderna e Contemporânea, da Universidad Complutense de Madrid, e curadora independente Estrella de Diego, nascida em Madri. Estrella também faz parte da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Espanha. O curador e diretor da Fundação Nabuco em Recife, Moacir dos Anjos, atual Coordenador-geral do Museu do Homem do Nordeste. Foi curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010) e do pavilhão brasileiro na 54ª Bienal de Veneza (2011). A investigadora, professora e curadora do Palais de Glace, em Buenos Aires, Federica Baeza, doutora em História e Teoria das Artes na Faculdade de Filosofía y Letras da Universidade de Buenos Aires. A antropóloga feminista Rita Laura Segato, escritora argentina residente entre Brasília, Tilcara e Buenos Aires, especialmente reconhecida por suas investigações, junto aos povos indígenas e às comunidades latino-americanas, sobre violência de gênero, racismo e colonialidade. Ana Gonçalves Magalhães, historiadora da arte, Professora Livre-docente, curadora e, atualmente, diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP, 2020-2024). Ana Maria foi coordenadora editorial e assistente curatorial da Fundação Bienal de São Paulo entre 2001 e 2008. Nicolas Soares, artista, pesquisador, curador e gestor cultural formado pela Escola de Belas Artes da UFBA, em Salvador, e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, em Vitória, Espírito Santo. Diretor do Museu de Arte do Espírito Santo – MAES (Secult-ES). Aline Motta, artista brasileira que nasceu em Niterói (RJ) e combina diferentes técnicas e práticas artísticas em seu trabalho, como fotografia, vídeo, instalação, performance e colagem. De modo crítico, suas obras reconfiguram memórias, em especial as afro-atlânticas, e constroem novas narrativas que invocam uma ideia não linear do tempo. O coletivo de investigação e produção artística Declinación Magnética (Aimar Arriola, Jose Manuel Bueso, Diego del Pozo, Eduardo Galvagni, Sally Gutiérrez, Julia Morandeira e Silvia Zayas), fundado em 2013, na Espanha, formado por artistas visuais, teóricos e curadores cujo trabalho partem da tomada de consciência dos estudos pós-coloniais e decoloniais. O italiano Eugenio Viola, curador-chefe do Museo de Arte Moderno de Bogotá (MAMBO). Florencia Battiti, curadora, crítica de arte e docente de arte contemporânea. Diretora executiva do Parque de la Memoria, Florencia obteve, em 2013, a bolsa Trabucco com um projeto de investigação sobre a irrupção da memória política na arte argentina durante os anos 1990. Por último, para debater o cruzamento entre a filosofia e a tecnologia, Tomás Balmaceda, doutor em filosofia e professor na UBA y UdeSA, fundador e integrante do GIFT (Grupo de Inteligencia Artificial, Filosofía y Tecnología), parte de IIF/SADAF CONICET. E o psicanalista e professor da USP Christian Dunker.
O Seminário será transmitido via streaming pelos websites institucionais da BIENALSUR e da arte!brasileiros, com tradução simultânea (espanhol-português, português-espanhol). O encontro será gravado na íntegra e posteriormente editado para a sua livre reprodução em canais e instituições parceiros e apoiadores.
Nesta 63ª edição, a revista estabelece alguns diálogos com o I Seminário Latino-americano: Relatos, memória e reparação por meio de alguns de seus textos, a exemplo do artigo Concreto, em que Nicolas Soares discorre sobre a reestruturação sociocultural que vem ocorrendo sobretudo na arte; na reportagem sobre a exposição de Sheroanawe Hakihiiwe, um artista ianomâmi que faz uma espécie de arquivo pictórico do cotidiano e do imaginário de seu povo; sobre as emergências culturais nas instituições e entre artistas, numa entrevista com o antropólogo argentino Néstor García Canclini; sobre o diálogo com sexodissidências em destaque na 35ª Bienal de São Paulo; na matéria de capa, com Antonio Obá, que traz na poesia e brutalidade da sua obra a essência da memória contra a segregação racial. Boa leitura e bom encontro! Esperamos por vocês presencial ou virtualmente! ✱