Regina Silveira, videoinstalação Sumidouro, 2018 FOTO: Patricia Rousseaux

Vista de cima, a paisagem plana, feérica, que dá brilho ao centro do Mube – Museu Brasileiro da Escultura, é traduzida por linhas iluminadas com igual intensidade que desenham geometricamente um labirinto para onde o espectador é seduzido a experimentar a sensação do espaço no tempo e vice-versa. A contrassenha desse lugar é o estado de imersão, potencializado pelos óculos com projeção virtual, que permite ao visitante divagar, com ele mesmo, por instantes. Essa experiência, compõe a exposição Exit, um encontro poético/político entre arte e arquitetura, envolvendo 41 obras de Regina Silveira, entre instalações, vídeos, gravuras e objetos, produzidos entre 1970 e 2018, com curadoria de Cauê Alves.

O labirinto pode ressignificar elementos que compõem a realidade como a migração. “O espaço é desconfortável, quero que o público ao percorrê-lo seja estimulado a pensar”. A forma mítica do labirinto tem ressonâncias sobre o visitante e mexe com seus hábitos perceptivos e cognitivos, numa experiência lúdica e inquietante. Regina propõe um jogo interativo, em realidade aumentada, no qual o público ao andar pelo labirinto, com óculos com projeção, vê surgir muros que aparecem e desaparecem na superfície. Com entradas e saídas nos quatro lados, e desenho alternado de rotas, Exit leva o visitante a uma percepção temporal. No momento sócio-político atual em que vários países levantam muros, refugiados são barrados física e psicologicamente, esse trabalho pode ser metafórico dessa situação de barbárie que vivenciamos.

  A ideia do labirinto é um tema recorrente no trabalho de Regina desde os anos 70, quando ainda morava em Porto Rico, e aparece em períodos e com obras de diversas épocas. “Os labirintos são ancestrais, mentais, interculturais, imemoriais e, muitas culturas têm os seus. Nesta exposição, eles são falsos porque todos têm saídas”. Anteriormente a artista criou um labirinto de compartimentações, quando usou, pela primeira vez, uma imagem apropriada. “ Na verdade, é uma imagem que serve de recheio para todas as compartimentações que realizei”. Regina levou os labirintos para o céu, para as cidades, aos executivos, para falarem sobre noção de poder.

“Essa exposição surgiu quando pensei em criar um discurso que juntasse as partes dessa recorrência de motivos. Metáforas das questões migratórias, dos muros interiores, de como as barreiras se fecham quando se coloca os óculos de projeção, de como o labirinto que tinha saída, agora é substituído por esses muros que fecham o espaço”. O escritor argentino Jorge Luis Borges se valeu dessa imagem, cercada de mistérios, para escrever O Labirinto. Borges via o mundo como um imenso labirinto, do qual é impossível fugir porque seus caminhos são desorientadores e ilusórios.

Planos geométricos iluminados compõem Exit, Um Labirinto com entradas e saídas para um outro universo. FOTO: Patricia Rousseaux

A paisagem exageradamente plana é ficcional. “Eu não quis fazer nos óculos uma modelagem do lugar, senão ficaria preso a aquele local. Por isso há uma imagem que sobe e desce. Nessa realidade virtual, você está em imersão total e não vê o que está em seu redor”. De qualquer forma, a realidade virtual pode enganar seu corpo e mente, fazendo você pensar que está em outro lugar, afinal é um universo de interfaces e atravessamentos com outras linguagens. “Esse trabalho é esperto porque é modular, construído com 196 placas iguais de madeira revestidas com tecido, que podem ser divididas, seccionadas, transportadas e adaptadas a outros espaços”.  A obra não pertence mais a Regina, mas ao acervo do Itaú Cultural, que vai gerenciar e cuidar do futuro dela.

Apesar dos atrativos do labirinto, chama a atenção Sumidouro, um vídeo inédito que dialoga com a estrutura arquitetônica do museu. Este trabalho é um dos temas mais atuais da mostra, dentro do conceito de arte/arquitetura. Ele impõe que só haja imagem a pensar para além do princípio da visibilidade, da oposição entre o visível e o  invisível. Regina mais uma vez parte da geometria, agora em movimento contínuo, quase apagada, mimetizada no cinza do concreto, em oposição ao labirinto estático e iluminado. É um recorte de ritmo continuo em que a geometria constitui um espaço especial, com encenação que se desdobra para além da visibilidade. Nele, a artista distorce as vigas e grades do teto e prolonga as paredes do Mube.

Regina teve a ideia de fazer este trabalho quando foi pela primeira vez ao local estudar o espaço, pensando na exposição. “Olhei para a grade e soube exatamente o que ia fazer: colocar a arquitetura para devorar ela mesma”. A grade está espalhada por todo o museu projetado por Paulo Mendes de Almeida, a quem Regina chama de arquiteto modular. “Encomendei para o Rodrigo Barbosa o desenho da grade, a fotografia desde um ponto de vista certo, o meio da rampa”. Tudo foi construído para casar, em escala e em ponto de vista, com o que se vê do teto naquele lugar. “Ao olhar para cima, o espectador tem a sensação de profundidade virtual sem limite, uma animação em loops do espaço devorando a si mesmo e por isso eu o chamo de Sumidouro”. A artista queria que as bordas da projeção ficassem arredondadas como uma máscara, como uma fantasmagoria projetada sobre o concreto cinza e conseguiu. Regina tem razão, essa obra é sutil, um site specific. Pena que seja efêmera e tenha de sair de lá.


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