Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro até dia 22 de novembro e a caminho da unidade paulistana (de 15 de dezembro até 7 de março de 2022), a exposição Brasilidade Pós-Modernismo não foi pensada para ter um olhar histórico, mas sim focado na atualidade. Com 51 obras produzidas da década de 1960 até os dias de hoje, há também algumas inéditas, ou seja, já produzidas com uma maturidade e um distanciamento histórico dos primórdios da modernidade brasileira, como comenta a curadora da mostra coletiva, Tereza de Arruda. Para ela, a brasilidade de que se fala no título se mostra diversificada e miscigenada, regional e cosmopolita, popular e erudita, folclórica e urbana. “Temos aqui uma produção de pintura, fotografia, desenho, escultura, instalação, novas mídias, entre outras, como defensoras da diversidade artística nacional através da abrangência de meios e linguagens”.
O processo de pesquisa e as tratativas com os artistas começaram ainda em 2018. Algumas obras presentes na mostra foram emprestadas de coleções privadas, outras vieram diretamente do ateliê dos criadores. “No processo de elaboração da mostra, houve uma troca intensa com os artistas participantes e, a partir daí, muitos realizaram obras especialmente para Brasilidade Pós-Modernismo, como é o caso de Agarrados ao Poder, de Luiz Hermano, Série Biomas, de Armarinhos Teixeira, Índias Ocidentais, de Luzia Simons, Terra tão só, de Marlene Almeida, A visita aos ancestrais, de Jaider Esbell – falecido recentemente -, assim como a instalação suspensa de Francisco de Almeida”, conta Tereza.
Tal produção diversa é espalhada por seis núcleos temáticos que obedecem à ordem do percurso: Liberdade, Identidade, Natureza, Futuro, Estética e Poesia. A organização, desse modo, procura convidar o visitante a uma imersão: “Pensamos com a equipe em uma certa dramaturgia, composta por elementos como cor e luz específicos como parte da expografia a demarcar os temas abordados”, explica Tereza. A exemplo disso, nos núcleos dedicados à Liberdade e Identidade as obras estão inseridas em um ambiente mais fechado de luz para um convite introspectivo. “A luz vai se abrindo gradativamente durante o percurso, sendo que nos deparamos nos núcleos da Estética e Poesia com um ambiente claro a enaltecer a vitalidade ali exposta”, complementa a curadora.
Do primeiro eixo, a liberdade vem em nome da descolonialidade, mas também da resistência à modernidade forçada. Nesse contexto, há várias obras na mostra a serem citadas. Tereza destaca a colagem Atualizações traumáticas de Debret (2019-2021), por Gê Viana, onde um drone aparece na mira de um arco indígena; Azulejão (Neoconcreto), de Adriana Varejão, que mostra o legado colonial europeu desgastado, “repleto de craquelês a desfazer e desmistificar o seu poder estético e sócio-cultural”; a série A geometria à brasileira chega ao paraíso tropical, de Rosana Paulino, que segundo a curadora também alerta para o potencial de características de brasilidade a sobrepor preceitos eurocentristas; e por fim, as obras Rolo com disco amarelo e Brasil 1500-1996, de Anna Bella Geiger, que aludem à defesa e reconhecimento territorial – este último, aliás, um dos motes do modernismo brasileiro. Como explica a crítica de arte e historiadora Aracy Amaral, “no Brasil, internacionalismo e nacionalismo foram simultaneamente as características básicas do movimento modernista ocorrido nas letras e artes a partir de meados da segunda década do século passado”.
Segundo a historiadora, o nacionalismo viria como decorrência de “uma ânsia de afirmação a partir da implantação da República (1889), estando daí em diante implícito o desejo de rompimento da intelectualidade com o século 19 e o academismo nas artes visuais”. Com isso, visava assumir nossa realidade física e cultural, até então menosprezadas pela elite, que se identificava com a Europa.
Em direção a essa questão, em Brasilidade Pós-Modernismo, Identidade é um dos núcleos mais interessantes da mostra, refletindo justamente sobre a ideia de uma identificação nacional e em que momento ela deságua nas nossas vidas particulares, ou se sobrepõe, e ainda que elementos fariam parte dessa pretensa imagem única. Para Tereza, o centenário da Semana de Arte Moderna propicia um momento oportuno acerca de debates dessa natureza. “A cada época novas respostas às reinventadas perguntas. Esta é uma oportunidade para o público reparar. Repare: olhe, observe, note! Estamos reparando: revendo, restaurando, renovando!”, afirma ao apontar, também, a necessidade de uma discussão inovadora, que atenda à demanda do nosso tempo.
A ocasião para revisitar a Semana de 22 e reavaliá-la criticamente não deve passar despercebida. Como lembram a pesquisadora Christina Queiroz e a professora da FFLCH-USP Maria Arminda do Nascimento Arruda, as revisitações críticas ao modernismo ganharam corpo somente a partir dos anos 1990. Até a década anterior, principalmente no cenário acadêmico paulistano, o movimento foi tratado como se estivesse acima de qualquer análise. Isso aconteceu, em parte, por conta do envolvimento de figuras ligadas ao cenário cultural modernista com a criação da USP. Desse modo, é preciso ressaltar a importância de estudar o modernismo através do país e não considerá-lo como uma repercussão do que acontecia em São Paulo.
Outro ponto a ser revisitado é a questão do protagonismo. Segundo Tereza, os artistas modernistas tentaram uma aproximação com “o outro” – o representante do regionalismo brasileiro. “Hoje vemos esta postura em partes como uma apropriação de um legado do outro. Foi necessário um centenário e um longo processo de reconhecimento, conscientização, assimilação e integração para chegarmos à essência da arte contemporânea brasileira apresentada em Brasilidade Pós-Modernismo, com artistas representantes de diversas etnias, gerações e procedências geográficas”, reflete.
Por hora, a mostra continua no CCBB Rio de Janeiro, que lançou recentemente um tour virtual por Brasilidade Pós-Modernismo. Confira aqui.
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