O ferro é a espinha dorsal da pesquisa de Luana Vitra e imanta a instalação que ela criou especialmente para a 35ª Bienal de São Paulo. O elemento – acompanhado por outros metais como o cobre e a prata – se desdobra numa miríade de significados na obra da artista mineira, incorporando referências de caráter biográfico, poético, simbólico, histórico e até mesmo metafísico, ao corporificar a ideia de transmutação da matéria e do espaço, pela ação transformadora do ar e da ferrugem.
Luana cresceu na cidade mineira de Contagem, e a extração e processamento do minério marcam sua história. Seu bisavô, Domingos Zacarias, por exemplo, morreu de silicose, doença decorrente da inalação de resíduos ligados a seu trabalho nas minas. Para além dos nexos familiares diretos, dessa trama de histórias presentes nesses lugares onde sua família habita, ela relembra também importância central da cultura africana para o desenvolvimento da atividade mineradora no período colonial brasileiro. Afinal, veio da África a tecnologia necessária para extrair os metais.
Opressão e estratégias de defesa se coadunaram nesse processo, deixando pegadas fascinantes que agora Luana incorpora em seu trabalho. Uma das formas de proteção usadas por aqueles que eram obrigados a trabalhar nas minas era a de levar canários para dentro dos túneis subterrâneos para avaliar a qualidade do ar. Sensível aos gases tóxicos, o pássaro sinalizava antecipadamente que o ar estava irrespirável, salvando várias vidas. “Me interessa pensar como o ar foi um veículo de vida e liberdade”, afirma.
Na obra de Luana essa potência se encadeia num discurso pleno de referências simbólicas e signos concretos. Em uma grande área aberta de 100 metros no segundo andar do pavilhão, ela combina pequenas e sedutoras esculturas representando pássaros, uma série de flechas metálicas, em referência direta a Ogum (orixá associado, entre outras coisas, ao ferro e à tecnologia, protetor dos artesãos e dos ferreiros) a outros elementos como ervas, conchas e o azul anil – outra alusão à presença africana –, criando uma instalação potente, que aviva todo o espaço. A artista, que também atua no campo da dança e da performance, estabelece uma coreografia espacial e cria sintonia com o mote das “coreografias impossíveis” escolhido para esta Bienal. A montagem, processo fundamental para a artista, promove tensões, equilíbrios e repetições. “É aí que acontece o encantamento das coisas. É minha assinatura, quase como uma ladainha, um milagre”, diz.
Luana, que acaba de ganhar o Prêmio Pipa deste ano, diz-se muito feliz em participar dessa edição. Para ela, a mostra quebra uma lógica única, desvia de um curso, de uma trilha pronta e permite abrir “um caminho em uma floresta densa”, por trazer pela primeira vez curadores negros e ter 80% de pessoas não brancas entre os participantes.