Em parceria com a Red Conceptualismos del Sur (RedCSur) – grupo com integrantes vindos, em sua maioria de países latino-americanos, e dedicado à pesquisa e crítica de práticas artísticas, arquivísticas, curatoriais e de movimentos sociais –, o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, de Madri (Espanha), apresenta, até o dia 10 de outubro, a exposição Giro gráfico. Como en el muro la hiedra, que se debruça sobre a resistência popular à opressão na América Latina, da década de 60 aos dias de hoje, expressa por meio de suportes gráficos diversos. Fora do campo da arte, esta produção presente nas ruas das cidades ecoa temas urgentes, como os direitos indígenas, o resgate da memória das vítimas de ditaduras, os movimentos negros, feministas e LGBTQ+, entre outros.
Em comum, essas práticas têm a precariedade dos materiais e o grande potencial de distribuição e disseminação de ideias, seja em cartazes, faixas, bandeiras, camisetas, bordados e mapas, ou ainda nas intervenções em espaços públicos, como performances com pinturas. Em novembro, a mostra concebida pela RedCSur segue para o Museo Universitario Arte Contemporáneo (Muac), na Cidade do México, onde ficará em cartaz até julho de 2023. Em entrevista à arte!brasileiros, André Mesquita, um dos coordenadores de Giro gráfico, ressalta que o objetivo da RedCSur foi fazer do museu “uma caixa de ressonância”, a partir da qual as obras devem “reverberar para fora dele”.
“Nosso desejo é instigar as pessoas, fazer com que elas se inspirem com os trabalhos e que também produzam suas ações, seus cartazes, repensando a gráfica política”, diz Mesquita, que é curador e coordenador da equipe de mediação e programas públicos do Masp e faz parte da RedCur desde 2009. Ele também é curador, ao lado da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, do núcleo Rebeliões e revolta, da exposição Histórias Brasileiras, em cartaz no museu paulistano. Segundo ele, há um diálogo entre a mostra em Madri e seu núcleo, seja nos cartazes apresentados, nos bordados do coletivo Linhas do Horizonte, também presente no Reina Sofía, ou na produção de serigrafistas queer, que apresentam trabalhos sobre Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em 2018.
As obras exibidas em Giro gráfico estão divididas de acordo com as respectivas pesquisas de materiais e foram agrupadas sob os seguintes conceitos criados pela RedCSur: Gráficas intempestivas, Arseñal, Cuerpos gráficos, La demora, Persistencias de la memoria, En secreto, Pasafronteras, Territorios insumisos e Contracartografías. Nesse último, Mesquita também participou do levantamento das obras, no caso, mapas produzidos por coletivos de artistas e movimentos sociais.
“São mapas de denúncia, que evidenciam a exploração de recursos naturais, por exemplo, mas que também contam uma história de potencialização de comunidades e de movimentos. Como o Grupo de Arte Callejero, criado em meados dos anos 1990 na Argentina, e ligado ao movimento de direitos humanos do país, formado por familiares de pessoas desaparecidas na ditadura militar”, conta o curador.
Esses mapas, diz Mesquita, foram produzidos no início dos anos 2000 e, neles, os manifestantes apontavam quem eram e quais os endereços de alguns dos torturadores da ditadura argentina, que haviam mudado seus nomes logo após a queda do regime. Colados nas ruas onde eles moravam, esses cartazes acabaram levando o governo do país a identificar, julgar e condenar aquelas pessoas, que foram presas.
Na exposição, Mesquita trabalhou com duas outras integrantes da RedSCur vindas do Brasil, ambas nas equipes de pesquisa, que tinham um total de 30 participantes: a também brasileira Clara Albinati, professora da PucMinas, pesquisadora e cineasta independente; e María Angélica Melendi, argentina radicada no País desde 1975, autora de Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes (editora Cobogó), título lançado em 2017, e professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena, desde 2002, o grupo de estudos em arte contemporânea que deu nome a seu livro.
Segundo Mesquita, Clara e María Angélica levaram a Giro gráfico contribuições importantes da produção brasileira. Desde 2016 na RedCur, Clara colaborou, a partir de Minas Gerais, com, entre outros, uma seleção de bordados dos coletivos Linhas do Horizonte e Pontos de Luta, camisetas de protesto do Coletivo Alvorada e ainda a bandeira Canalha, do Coletivo Vão, usada nas manifestações de 2016 contra o impeachment da então presidenta Dilma Roussef. A obra é uma atualização do trabalho Viva Maria, exposto por Waldemar Cordeiro na Bienal de Artes da Bahia de 1966, em plena ditadura militar. Também uma bandeira, com a palavra “canalha” costurada em feltro, ela foi retirada da mostra, por ordens do então governador do estado Antônio Carlos Magalhães.
Já María Angélica levou ao Reina Sofía a serigrafia Ocupa Tudo!, de Melissa Rocha, também de Minas, e criações do grupo Cólera Alegria, de São Paulo, que em 2020, no auge da pandemia, participou de manifestações artísticas com críticas ao governo Bolsonaro, por meio de cartazes e bandeiras, entre outros, que circularam tanto nas ruas como nas redes sociais, sob a hashtag #coleraalegria.
Giro gráfico é a segunda mostra do Reina Sofía feita em colaboração com a RedCSur. A primeira, intitulada Perder la forma humana. Una imagen sísmica de los años ochenta en América Latina, foi apresentada entre outubro de 2012 e março de 2013, com desdobramentos em programas educativos e projetos editoriais, e itinerâncias em Lima e Buenos Aires. Mesquita, que está desde 2009 na RedCur, e também foi um dos coordenadores da primeira exposição, conta que há uma conexão entre ambas:
“Era um desejo nosso tentar estender a cronologia de Perder la fora humana, trabalhando com movimentos sociais e projetos no presente. E isso foi um grande desafio, porque passamos a nos organizar em 2016, chamamos pesquisadores não participantes da Red, como Josh McPhee e Jesús Barraza, dois artistas e ativistas dos EUA. O plano era inaugurar em 2019, depois passou para 2020, mas aí veio a pandemia e somente neste ano a mostra foi aberta”, explica.
Para Mesquita, um dos trabalhos exemplares dessa extensão cronológica que se deu Perder la forma humana para Giro gráfico é o projeto Zapantera Negra, do grupo de pesquisas Pasafronteras, e desenvolvido pelo coletivo EDELO (En Donde Era la ONU), formado pelos artistas Caleb Duarte e Mia Eve Rollow. Como o nome sugere, o trabalho propõe conectar o imaginário visual dos Panteras Negras – movimento que combatia a violência policial contra os negros durante a década de 1960, no contexto do movimento dos direitos civis nos EUA – com o Exército Zapatista de Libertação Nacional, criado em 1994, e sua mobilização de camponeses indígenas pela reforma agrária, em Chiapas, no México.
“O Emory Douglas, que foi ministro da cultura dos Panteras Negras, participou em 2014 de uma residência numa comunidade de Chiapas, com artistas e bordadeiras zapatistas, a convite do coletivo. Juntos a eles, Douglas produziu trabalhos, entre bordados, faixas, pôsteres etc., que mesclam imagens dos dois movimentos, além de fotografias históricas. Trazer esses artistas dos anos 1960 para o presente, criar esses vínculos inter-geracionais numa temporalidade mesclada, é algo importante para o diálogo do passado com a atualidade que propomos nesta exposição”, conclui.
SERVIÇO
Giro gráfico. Como en el muro la hiedra
Concepção: Red Conceptualismos del Sur (RedCSur)
Até 10 de outubro (a partir de novembro, no Museo Universitario Arte Contemporáneo – Muac, na Cidade do México)
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Calle de Santa Isabel, 52, Madri (Espanha)
Visitação: segundas, das 10h às 21h; terça, fechado; quarta a sábado, das 10h às 20h; domingo, das 10h às 14h30