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A fúria de um vulcão não intimida Manuela Ribadeneira, artista equatoriana residente em Londres; ao contrário, a instiga científica e artisticamente. De seu desafio sobre a associação entre fenômenos geológicos e sociais como corpo de nova pesquisa nasceu Ouça, exposição que toma todo o andar térreo da Casa Triângulo, até o dia 14 de julho próximo.

Tudo começou há dois anos quando Manuela foi a Armero, cidade colombiana, para conhecer de perto a chamada “Pompeia contemporânea”. Lá, em 1985 aconteceu a grande tragédia que matou a metade dos 50 mil habitantes soterrados nas lavas do vulcão Nevado del Ruiz. “Estar em Armero me impressionou muito ao conversar com as pessoas e saber que o desastre natural, logicamente, não poderia ser evitado, mas a tragédia poderia ter sido bem menor se houvesse um alerta sobre a erupção”.

O resultado desse mergulho no tempo transformou-se em uma mostra científico-poética, repleta de dinâmicas sociológicas, composta por escultura arquitetônica de grande escala, desenho topográfico direto na parede, conjunto de esculturas em vidro soprado, fotografias, vídeo e desenhos sobre papel, além de uma instalação sonora. Na opinião de Manuela, a emergência da história na sociedade contemporânea, rodeada de catástrofes naturais, sociais, econômicas, humanas, políticas, que podem ser previstas pelo homem, é cada vez maior. “A partir daí comecei a fazer investigações de textos científicos e encontrei alguns nos Estados Unidos em que se pode saber quando os vulcões vão entrar em erupção. Os cientistas gravam os sons que não são percebidos pelo ouvido humano, os comprimem para estudá-los e fazem uma representação de sons em barras, como aqueles que são mostrados em celulares quando gravamos algo como sound way. Queria muito trabalhar com os textos deles porque fazem metáforas de ritmos de instrumentos musicais”.  Temblores Armónicos III (Harmonic Tremors III) é um imenso desenho que cobre as paredes de uma das salas, realizado a partir da remoção da superfície pintada, onde Manuela cria um desenho topográfico e sonoro. “Uma instalação sonora”, define.  Ao percorrer a exposição, o visitante vai encontrando a memória da parede e do espaço e tem a noção do que está escondido. Aos poucos percebe os ritmos, os golpes sonoros, como um instrumento, se fazendo cada vez mais frequente e cada vez mais alto, até chegar a um ponto em que o vulcão grita. “Esta imagem não é minha, são os cientistas que fazem estes estudos que descrevem como um zumbido acompanhado de sons percussivos produzidos por um instrumento como um órgão ou uma combinação de instrumentos musicais tocados em frequências muito baixas. ” Estes são chamados de Tremores Harmônicos. A frequência e o tom desses tremores aumentam até o que soa como um grito. Quando a frequência atinge um nível altíssimo e não aguenta mais a pressão, ela fica quieta. São os trinta segundos de silêncio precedem a erupção. “Os cientistas encontraram este padrão de comportamento em alguns vulcões e pensam que, eventualmente, pode ser uma maneira de se prever uma catástrofe como a que se viu agora na Guatemala”.

Uma grande parede escultórica corta a galeria e exibe a palavra Ouça, que dá nome à exposição. É uma parede de sons, pode ser um convite, uma advertência, uma ordem, uma palavra que tem essa ambiguidade. Ainda nesta sala, pequenas esculturas sobre o piso exibem dedos de bronze apontando para diversas direções com o título de Los Culpables (The Guilty One) “São dedos de um braço de um santo colonial colombiano de terracota que eu tinha em minha casa em Quito. Durante um tremor de terra esse braço caiu no chão e os dedos se quebraram. Então os refiz em bronze. São chamados de Culpados, porque sempre que há uma catástrofe os deuses começam a culpar, não importa quem: `Você é o culpado`. ´Vocês são culpados´ e, assim por diante”.

A imagem-referência da erupção vulcânica é progressivamente decodificada como o elemento principal ao redor do qual todos os elementos da exposição orbitam, reaparecendo de diferentes formas ao longo da exposição. Os vidros soprados, expostos em uma vitrine, que formam uma instalação na segunda sala, representam os 30 minutos de silêncio do vulcão, que Manuela pediu para os artesãos cristalizarem. “Eles sopraram exatamente 30 segundos de ar, que formam uma partitura de silêncios. Essas formas, são formas de anotações musicais, uma pausa numa partitura, de trinta segundos”.

Na mesma sala, sobre a parede uma série de desenhos a tinta se referem à pesquisa histórica, assim como todo o seu trabalho. “Esta parte é histórico-científica, olhei muita pintura dos séculos 18 e 19 e de como representavam as erupções vulcânicas e então eu fiz minhas versões dessa representação”. São como anotações de cadernos, uma sequência de pequenos desenhos que formam uma única peça; me interessam as sequências, porque todas sequências são circunstanciais.

Uma foto desta sala mostra a imagem difusa de um homem suspenso no ar por um jato de água. “Essa peça eu tomei de uma fotografia que saiu na imprensa, feita por um fotógrafo durante uma manifestação política em Londres, no momento em que um caminhão tipo “brucutu” atinge um militante e o levanta: a foto mostra o momento antes dele cair no chão. Quis fazer uma relação como um golpe de uma coisa inesperada, como os policiais fazem nessas horas com suas mangueiras de água”.

Fecham a mostra dois diapasões usados para afinação de instrumentos musicais, chamados Harmonia e Dissonância. Uma metáfora de que, apesar de tudo, ainda podemos afinar os sons que nos rodeiam.

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