Ao expor “a arte do mundo colonizado ou pós-colonial, mostrando a obra dos marginalizados ou das minorias, desenterrando ‘passados’ esquecidos ou abandonados – tais projetos curatoriais acabam apoiando a centralidade do museu ocidental”, afirma o indiano Homi Bhabha, em citação usada por Adriano Pedrosa no catálogo de Histórias Afro-Atlânticas, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake (Ito) e no Museu de Arte de São Paulo (Masp) até 21 de outubro.
A questão é essencial quando museus por todo mundo buscam ampliar seus públicos dialogando com comunidades até então distantes e sem presença no cotidiano dessas instituições. Contudo, como é possível se aproximar desses públicos usando uma linguagem museológica que pertence a uma tradição que lhes foi negligenciada e, por que não dizer, mesmo negada? É possível uma virada efetiva nas políticas de inclusão dos museus sem de fato rever suas próprias práticas?
Histórias Afro-Atlânticas, organizada por cinco curadores, é superlativa nos números – mais de 400 obras, oito módulos, ocupando quase por inteiro duas instituições – mas pouco arrojada quando se trata de pensar em como se tratar de um tema mais que necessário sem recorrer aos mesmos dispositivos expositivos convencionais de sempre.
O Masp de Adriano Pedrosa tem se caracterizado por render uma série de homenagens a Lina Bo Bardi (1914 – 1992), a figura mais inovadora quando se trata de repensar o museu, mas incapaz de propor novos modelos no século 21.
A necessidade e urgência do tema de Histórias Afro-Atlânticas é inegável, especialmente em um país com maioria negra, com essa população sub-representada em todos os níveis de poder, especialmente o das artes. Por isso, a famosa faixa Onde estão os negros?, do coletivo Frente 3 de Fevereiro, que na abertura da mostra foi exposta no Ito, e em julho, no Masp, se torna uma pergunta mais que eloquente.
Afinal, nos círculos de poder de ambas as instituições, onde estão os negros?. Entre os cinco curadores – Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes, Lilia Moritz Schwarcz e Tomás Toledo – eles são minoria, mas ao menos estão presentes. Contudo, no conselho, na direção do museu, na curadoria permanente, a questão se torna pertinente mas inconclusa.
Não há dúvida que a pesquisa é extensa e a mostra abarca uma compilação abrangente de obras, desde as imensas pinturas de Albert Eckout (1610 – 1665) retratando um casal de escravos, em 1641, uma das primeiras imagens produzidas na América, até trabalhos comissionados para a mostra. Contudo, o procedimento que vem sendo adotado nas exposições do Masp, em agrupar trabalhos por temáticas, em módulos como Ritos e Ritmos, onde há uma exaustão de pinturas retratando festas e cerimônias afro, simplifica por demais as obras, além de as transformarem em ilustrações de um conceito.
Dos oito módulos da exposição, o mais vibrante, tanto por seu conteúdo temático, como pela forma expositiva, é Resistências e Ativismos, com curadoria de Menezes e Schwarcz. Nele, a tônica está em representações que apontam para o empoderamento negro, tanto através das religiões afro, em imagens de Pierre Verger, quanto dos Panteras Negras, em foto atribuída a Blair Stapp. Entre os destaques ainda está a pintura “Mãe Preta ou A fúria de Iansã”, de Sidney Amaral, morto precocemente no ano passado. Não há aqui um agrupamento meramente formal, como ocorre nos módulos do Masp, mas uma reunião de intensos diálogos.
Histórias Afro-Atlânticas é uma espécie de continuação de Histórias Mestiças, realizada no próprio Ito, há quatro anos, organizado então por Pedrosa e Schwarcz, na época curadores
independentes. Agora, ambos participando de uma instituição do porte do Masp, era de se esperar que a mostra não ficasse apenas em uma revisão da história da arte, mas em novas atitudes dentro do museu. Essa questão não parece respondida com a mostra.