A natureza seduz, transforma, maravilha, pela exuberância e responsabilidade sobre o planeta. Há artistas que incorporam o meio ambiente em suas pesquisas levados pela tendência do momento e outros que já o trazem naturalmente dentro de si. José Rufino experimentou o saber rural como menino de engenho, formou-se em geologia e paleontologia, trabalhou com Marlene Almeida, sua mãe, em uma pesquisa sobre os pigmentos da terra e agora encontra um lugar especial para reverberar suas experiências, o Instituto José Rufino. Com isso inaugura uma nova compreensão da natureza e do fazer artístico em sua vida. Em trâmite burocrático, o espaço ainda é chamado de Sítio Sabiá, nome do antigo local, e se estende pelo terreno de 50 mil metros quadrados, que logo serão 70. Localizado no município de Bayeux, na grande João Pessoa (Paraíba), é um lugar para pensar arte, natureza, cultura e desenvolver pesquisas levando em conta o meio ambiente.
O que torna esse espaço provocador? José Rufino mescla seus conhecimentos científicos em situações cheias de ambiguidades, descobertas e muitas experimentações com vegetação selvagem e domesticada. “O Instituto conta com cerca de 160 espécies da família Araceae, dos antúrios, imbés e filodendros, mais 250 da família Arecaceae, das palmeiras, além de um acervo de espécies nativas, entre as quais destaco o tucum (bactris ferruginea), cujos espinhos são usados como elemento corporal indígena. “Considero minha coleção de plantas um arquivo vivo de experiências vividas. Cada uma representa um acervo sensorial, etnográfico, uma escultura viva”, afirma. Todos os caminhos que cortam a paisagem são irregulares, submetidos ao interesse e desenvolvimento das próprias plantas. Trata-se de uma reflexão espacial emancipada que contempla ainda animais das famílias dos tamanduás, preguiças-de-três dedos, capivaras, raposas, guaxinins, saguis, entre muitos outros. Essa dilatação da experiência chega ao grande ateliê que tanto pode ser ocupado por Rufino quanto pelos residentes. “A construção está implantada no limite entre um trecho de Mata Atlântica e a parte mais alta do jardim. O espaço foi construído entre as árvores que se recuperavam de décadas de cortes descuidados e queimadas, e agora já estão bem frondosas”. A área total do terreno fica entre o tabuleiro costeiro e o estuário do rio Sanhauá. Faz fronteira com o Parque Estadual Mata do Xem-Xem, cujas ruínas de um açude do século 19 estão dentro da propriedade.
Escolher o local do Instituto ativou um pensamento desbravador em Rufino, que visitou muitos sítios prontos, com camadas de histórias de seus antigos donos, algo que não o interessava. Quando encontrou um terreno degradado, estéril, riacho poluído e obstruído, decidiu comprá-lo. O impulso mais profundo de sua utopia surgiu do encontro com esse caos ambiental, em 1984. “Isso me animou, queria salvar esses hectares começando tudo do zero. Meu pai, que cresceu no engenho, quando viu o cenário ficou horrorizado e disse que ali não cresceria nem urtiga”. Nesse sentido, Rufino teve que lidar com expectativas o tempo todo, mas essa ideia de discordância foi mais uma provocação motivadora. Agora, depois de muitos anos de trabalho constante, pesquisas e consultas a especialistas, o solo não só renasceu como está muito rico. A natureza deu resposta à altura de seus esforços, se transformou, recriou o microclima e tudo está exuberante.
“Minhas memórias mais antigas sobre uma conversa solitária e silenciosa com a natureza foi no engenho do meu avô. Eu não morava lá, mas ia todos os fins de semana e passava as férias inteiras. As recordações sensoriais que trago da infância são mais do engenho do que da cidade.” Aos poucos ele foi se aproximando da história natural, influenciado pelos livros de botânica de seu pai engenheiro, repletos de ilustrações. “Passei a colecionar plantas, fósseis, o que me tornou quase um naturalista mirim. Também era curioso sobre a origem dos nomes populares das plantas e o porquê dos nomes científicos”. Atuando entre a ciência e o delírio, foi atrás de sementes de tamarindo recolhidas do quintal do poeta Augusto dos Anjos. Viajou a Salvador em busca do fruto de cacau de uma árvore plantada por Pierre Verger. “Hoje tenho o prazer de produzir, por meio da perspicácia de meu pai, pequenas barras do chocolate Verger”.
Já formado em paleontologia, seu olhar foi refinado com método, como ele diz. Mas o terreno do Instituto se auto explica, a liberdade por lá corre solta com um paisagismo que respeita a vontade das plantas, bem próximo à natureza tropical. “Burle Marx foi quem introduziu esse conceito em vários projetos. Ele colocava sem pudor as plantas que trepavam sobre as outras formando uma massa, não era uma coisa planejada como o jardim europeu, especialmente o francês.”
O artista não tem a pretensão de tornar o Instituto José Rufino em um tipo de Inhotim, repleto de obras de artistas. “Tudo o que estiver ali tem que atravessar minha poética. Durante a pandemia realizei muitos trabalhos e agora vou fazer uma expedição pelo terreno, por outros itinerários, que vai gerar a mostra Phantasmagoria, como parte do projeto Ontologias, que será exposta em março na FAMA (Fábrica de Arte Marcos Amaro), em Itu, em um galpão que está sendo restaurado para recebê-la”. No cenário aberto do Instituto Rufino, ele vai dar continuidade às residências artísticas, que já aconteceram em pequena escala, abrirá para estudiosos da área de botânica, zoologia e etnologia que queiram compartilhar conhecimentos e pensamentos estratégicos nessa escala. “Atuamos próximos ao conceito de residências em zonas rurais, porque apesar de situados na cidade, estamos afastados do perímetro urbano”. Seja como for, não há como voltar atrás, como ele diz. Hoje o Instituto Rufino é uma realidade, um patrimônio que tem que ter também retorno social e esse é um dos seus desafios.