O que provoca um artista a dar uma reviravolta formal em seu trabalho? Como reagir à vertigem provocada pela sensação da fragmentação e da mudança de cenário? Juliana Stein chega a São Paulo com transformação em sua obra, colocando em xeque a representação dos territórios da arte, espaços e sujeitos. A mostra Não Está Claro até que a Noite Caia, em exposição na SIM Galeria, reúne um conjunto de curtos textos impressos em placas de acrílico, que Juliana chama de autobiográficos. “Tudo se passa como se meu poder de acesso ao mundo e o de entrincheirar-me nos fantasmas não existissem um sem o outro. Assim, é justamente quando tento me aproximar que crio um afastamento.”
Os questionamentos de Juliana já estavam presentes em discursos anteriores, como imaginação, indignação e tempo presente. A ideia do agora já está contida no título, Não Está Claro até que a Noite Caia. Ela se refere a um momento único e particular que já não existe e que se deixa marcar no tempo que já não é. Juliana abandona o sujeito explícito de suas fases anteriores, com cenas de banhistas em uma praia ou fragmentos de apagamentos de paisagens densas, para trabalhar com ficções do sujeito enigmático, lúdico, misterioso. Para ela, Não Está Claro até que a Noite Caia é uma tentativa de articular espaços da fotografia em torno do sentido opaco das coisas que escapam, e que nos inscrevem mais do que podemos escrever sobre elas.
De qualquer forma ela concorda que mudança é uma situação instável, crítica das falsas certezas. “Nem senti que mudei porque tudo já estava contido em meu trabalho, espaço, texto. Meu trabalho é autobiográfico, com um intervalo entre as coisas.”
Durante cinco anos Juliana ensinou cegos e passou a entender o papel da memória como esquecimento, não como lembrança. “A função da memória é permitir o esquecimento”. Para ela, existe uma dificuldade de se ouvir, de falar: isso me pertence ou pertence ao observador? Uma reflexão continua a habitar essa fotógrafa formada em psicologia, que se questiona diante do fato de que a mensagem nem sempre é entendida. “Posso saber o que disse, mas não o que o outro escutou. Há um lugar inapreensível para o saber e este lugar define o que é o saber.”
Juliana vê a imagem como o registro de algo, mas do quê? Ela costuma colecionar frases ou trechos de livros que lhe interessam e chega a grudá-los em locais visíveis, além de manter uma lousa em que rabisca pensamentos quando tem um insight.
Ela faz parte de um grupo de fotógrafos que não quer permanecer, formalmente, em uma linguagem única. Com essa exposição, rompe a fronteira do seu território, e como define Phillippe Dubois, essa é a parte mais apaixonante da História da Fotografia. Para o curador da mostra, Agnaldo Farias, essa nova fase “demonstra uma compreensão alargada da fotografia, visto que frases, palavras ou desenhos têm, direta ou indiretamente, relação com a fotografia e com o ato de ver”.
O crítico segue o trabalho de Juliana há quase duas décadas e, quando foi curador da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, escolheu sua obra Sim e Não, uma coleção de retratos de homens vestidos de mulher, para figurar na mostra. A série Caverna, com imagens de vestígios da ocupação de celas em prisões, participou de Atlas do Império, na 55ª Bienal de Veneza, em 2013, no Pavilhão do Instituto Ítalo-Latino Americano. Juliana é gaúcha e trabalha com fotografia desde o final dos anos 1990 em Curitiba. Tornou-se conhecida por seus recortes sociais da realidade brasileira.
Não Está Claro até que a Noite Caia
SIM Galeria – Rua Sarandi, 113 A, São Paulo
Até 23 de março de 2019