Curadorias com temas genéricos são modelos preguiçosos, mas recorrentes no atual sistema da arte. É uma receita fácil: escolhe-se um tema abrangente, selecionam-se obras de vários períodos com artistas de várias gerações, nacionais e internacionais, e reúne-se tudo com um texto cheio de citações. “Matriz do tempo real”, que esteve em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP é um ótimo exemplo dessa prática.
Organizada por Jacopo Crivelli Visconti, a exposição não só revela esse tipo de exercício curatorial de nível básico, como também toda a perversão dos mecanismos de lei de incentivo e da precariedade dos museus públicos brasileiros.
A começar pelo conceito: O texto que introduz “Matriz do tempo real” é pretensioso ao afirmar que ela é “concebida na interação entre reflexões e inspirações diversas, que vão dos conceitualismos dos anos 1960 e suas reverberações a produção artística das décadas seguintes”. Espera-se, portanto, uma pesquisa de fôlego sobre o tema e, novamente citando o texto curatorial, como o tempo “se faz presente de uma maneira quase física”.
Entre projeto e execução, é normal que existam adaptações, mas se há algo que de fato a mostra não entrega é uma presença física que se traduza em algum tipo de experiência do tempo efetiva. O que se vê, nesse sentido, é uma série de ilustrações do tema, com um percurso que banaliza cada obra a apenas uma camada – o tempo –, reduzindo toda sua complexidade. É o caso, por exemplo, de On Kawara, visto em apenas uma pintura da série “Today”, realizada diariamente de 4 de janeiro de 1966 a 12 de janeiro de 2013, meses antes de sua morte.
A obra tinha oito tamanhos possíveis, três cores estabelecidas pelo artista e se não fosse terminada no mesmo dia, tinha que ser destruída. A língua utilizada também dependia do local onde o artista se encontrava e teve início em uma época do questionamento dos suportes tradicionais, sendo que Kawara conseguiu pintar mesmo que de forma conceitual. A simplificação de uma obra com tantas leituras possíveis, reduzindo-a uma data é lamentável, assim como falar do tempo sem uma experiência de duração é ainda contraditório.
Mas os problemas não param aí. A primeira obra que se vê na mostra, “Certificado de autenticidade de Time Spoken”, de Ian Wilson, pertence e está identificada como “coleção moraes-barbosa”, sendo que Visconti é curador da coleção. Foi por algo semelhante que uma das curadoras mais renomadas na Europa, Beatrix Ruf, renunciou ao cargo de diretora do museu Stedelijk, em Amsterdã, quando veio a público que ela misturava atividades privadas com o museu. É o tipo caso de conflito de interesses, afinal Visconti está dando visibilidade, portanto valor, a uma obra particular com a qual ele tem relação.
Com isso, novamente, o Museu de Arte Contemporânea da USP terceiriza seu espaço para projetos externos, com contornos problemáticos, como ocorreu com “Os desígnios da arte contemporânea no Brasil”, em abril do ano passado, quando seu curador expunha suas próprias obras – dando visibilidade e valor a elas – além de outras identificadas como do patrocinador.
É compreensível que um museu público sem recursos suficientes para um programa adequado busque parceiros. Contudo, terceirizar seu espaço, permitindo que mostras sejam ali montadas sem qualquer tipo de controle e ainda bancada por dinheiro de lei de incentivo – no caso “Matriz do tempo real” tem R$ 750 mil de apoio do Itaú – revela a incapacidade do museu em exercer sua função pública.
Para um museu com caráter universitário, que nos anos 1960 e 1970, sob a direção de Walter Zanini, mesmo sem dinheiro, foi o centro da produção experimental da cidade, é como ter perdido o sentido de sua função e se rendido a uma sobrevivência pálida e burocrática.
Por que o MAC não proporciona cursos empolgantes em arte, fotografia, curadoria, etc, como fazem IMS, MASP, MIS, Pinacoteca. Preços palatáveis, população abraça e frequenta.